sexta-feira, 11 de maio de 2012

Um Alquimista Dos Banquetes

Como um ex-consultor de empresas se tornou um grande nome do buffet de alta gastronomia

Vinícius tinha apenas quatro maletas para escolher. Estava com a 17. 1 + 7 = 8, seu número de sorte. Uma das maletas restantes era exatamente a 8, o seu número sem precisar fazer conta. Três malas tinham valor pequeno. A outra, tinha R$ 750 mil. Havia o negociador, que poderia livrá-lo de um mico ou tirar-lhe uma boa bolada. E havia Roberto Justus, o timoneiro, comandando danças, histórias e cifras. O negociador ofereceu R$ 99.999 em troca da maleta 17. Vinícius topou.

Quando criança, o pequeno Vini fez grandes obras: jogou tinta na caixa d'água da vizinha da casa de praia e botou fogo em um depósito de papel durante a Copa do Mundo de 1990, fatos que causaram imensa vergonha a seu pai. Na época de faculdade, fez um happy hour com amigos de sala na companhia de um belo bife à milanesa devidamente guardado no bolso da calça – feito pela mãe de um colega, estava tão bom que quis guardar para depois.

Vinícius Rojo, 34 anos, trabalha com catering, serviço de produção e entrega de alimentos, na empresa batizada com o seu sobrenome. Esqueça empadinhas, esfihas e coxinhas tradicionais. Vinícius lida com algo que hoje, e cada vez mais, deixa de ser um mero serviço para se tornar uma arte: a alta gastronomia.

A comida tem que cercar a pessoa nos cinco sentidos. Não dá mais para considerar apenas o cheiro e o gosto”, diz. E a comida não deve só dar conta dos sentidos. Os sentimentos também entram na história. “Por isso, gosto de brincar com as surpresas”. Entre as excentricidades, ele já criou pirulitos de cordeiro com chocolate, croque monsieur com chantilly de gruyére ao perfume de trufas, e um drink de boas vindas de esférico de curaçao blue com hi-fi.

Para um leigo, essas combinações podem parecer impensáveis. Mas basta a primeira mordida para qualquer um mudar de ideia rapidinho. E como acontece a alquimia de certos ingredientes, à princípio impossíveis de se juntar, combinarem num mesmo prato? “Tem coisas que o chef sabe que vão harmonizar – a experiência na cozinha ajuda nesse acerto. Mas há ingredientes que exigem alguns testes”. Como na vida, a arte de cozinhar é permeada por vivências e riscos.

Vinícius viaja muito em busca de novas experiências gastronômicas. “Até o ano passado, investi tudo que ganhei para conhecer meus chefs ídolos pessoalmente, e experimentar a comida deles”. Já visitou Inglaterra, França, Itália, Japão e Espanha. E já esteve no El Bulli – do catalão Ferrán Adrià, considerado um dos melhores chefs do mundo, onde um pedido de reserva de mesa pode demorar um ano para se confirmar. Também esteve no inglês The Fat Duck, do não menos conhecido Heston Blumenthal, protagonista da série de TV “À Procura da Perfeição”.

Embora a alta gastronomia brasileira tenha melhorado nos últimos anos, é necessário para um chef daqui buscar referências em outros países. “Nossa cozinha ainda é incipiente. Lá fora, os grandes restaurantes têm laboratórios de estudo, reservados especificamente para elaboração de novos pratos. Por isso, eles conseguem produzir comidas e desenvolver técnicas realmente especiais”, diz Vinícius. Na Rojo, como não tem sócio, ele divide o tempo que usa nas buscas por novidades gastronômicas com questões de contabilidade, marketing, controle de custos, prospecção de clientes e logística de eventos.

Nem sempre ele pensou em trabalhar com gastronomia. De família classe média, Vinícius e seus três irmãos estudaram em boas escolas. Seguindo influência do pai, bancário, se formou em administração na FAAP – ele próprio bancava as mensalidades com os estágios que começou a fazer logo no primeiro semestre. Ocupou o cargo de analista financeiro e, aos 21 anos, representou a empresa onde trabalhava em outras cidades, chegando a morar um período em Brasília.

Mas, num determinado momento, percebeu que não era aquilo o que queria fazer. “Mesmo bem encaminhado, senti que tinha de mudar o rumo da minha vida”, lembra. Pediu as contas no emprego, voltou para São Paulo (e para casa do pai) e foi caçar o que fazer.

Passou alguns meses pesquisando, até que, em 2004, fundou o Bun Café, especializado em cafés especiais. Passou a organizar o buffet de eventos, o que começou a ocorrer com certa frequência. Pegou a manha e o gosto pela coisa, fez cursos de gastronomia, até que, em 2007, depois do fechamento do café, percebendo boas oportunidades na área de catering, raspou o fundo do tacho financeiro e abriu a Rojo Criatividade Gourmet. “Fui juntando cada centavo de onde vinha dinheiro. Meu padrão de vida caiu muito, mas era isso o que eu queria fazer na vida”.

Com um bom know-how e alguns cursos na área, a Rojo foi crescendo passo a passo, mas ainda precisava de um grande pulo, principalmente em estrutura. Vinícius tinha a vontade, só faltava a grana. E foi que, de repente, Roberto Justus e suas maletas milionárias apareceram em sua vida, e ele foi chamado para participar do programa Topa Ou Não Topa, do SBT. 
 
Vinícius aceitou a proposta do negociador, e fez bem. A maleta 17, que estava com ele, tinha míseros 50 centavos, o suficiente para comprar um lápis e fazer uma cozinha... de desenho. Levou os R$ 100 mil, com os quais montou a estrutura que tanto queria. Assim, o menino que jogou tinta na caixa d'água da vizinha, o jovem que andou com um bife à milanesa no bolso e o ex-consultor de empresas que já esteve enfurnado em relatórios e estatísticas corporativas, fazia a Rojo crescer, com todos os equipamentos profissionais necessários a uma cozinha profissional.

Foi o melhor estagiário que já tive, com uma sensibilidade incrível para gostos. Poucas vezes vi alguém com tanta habilidade para lidar com a psicologia do sabor como o Vinícius”. O mestre Murakami, chef do Kinoshita, um dos restaurantes mais tradicionais de comida japonesa em São Paulo, só guarda boas lembranças do ex-estagiário, que esteve lá por cerca de um mês para pegar influências asiáticas contemporâneas. “E é uma pessoa muito especial. Talentoso e gente fina”. Vinícius também passou pelo D.O.M., do rigoroso e premiado Alex Atala.

Sempre que pode, ele passa um tempo estagiando em cozinhas de grandes chefs. “É bom conhecer outros ambientes e diferentes metodologias de trabalho”. Ano passado, quase passou um tempo com Juan Mari Arzak, cujo restaurante ganhou 3 estrelas no guia Michelan, e onde Vinícius teve o melhor jantar de sua vida - “Só perde para a comida da minha vovó Mafalda!”. Por conta da mudança de sua cozinha, teve de adiar o estágio, que será feito em julho deste ano.

Atualmente, produz delícias para festas de casamentos e importantes eventos de grandes empresas como bancos e montadoras de automóveis, e é um dos buffets credenciados no GP Brasil de Fórmula 1. “Hoje trabalho mais do que quando pertencia ao mundo corporativo, mas tenho muito mais prazer no que faço”.

Vinícius tenta preservar o melhor ambiente possível na Rojo, escapando do insalubre esquema de trabalho de uma cozinha, onde, quase sempre, trabalha-se em temperaturas altíssimas, temperadas com a pressão de sair tudo gostoso, com higiene e em perfeita harmonia. E, sim, uma cozinha funciona com a disciplina de um quartel. Mas a estupidez deve passar longe. “Sou rígido e exigente, mas faço o possível para que nada aqui seja levado para o lado pessoal”.

A preparação de um banquete funciona como num jogo de futebol: adrenalina e eficiência devem andar de mãos dadas. E, durante um jogo, não dá para pedir por favor a um lateral para avançar um pouquinho mais, tão pouco pedir ao volante que, por gentileza, ajude na marcação. “Às vezes escapa um palavrão, mas nada que parta para ignorância”.

Para amenizar o efeito do estresse, Vinícius contratou um professor de ioga que irá aliviar mentes e músculos dos funcionários da Rojo. Também procura investir no conhecimento da equipe: num evento de gastronomia à que foi assistir em Madrid, levou consigo o chef de cozinha da Rojo, Marcus Pompeu. “Esse cuidado é importante. Assim, você consegue o respeito de sua equipe, sem implantar uma política de medo e autoritarismo”. Vinícius dá o exemplo de Gordon Ramsay, do Hell's Kitchen, chef reconhecido e competente, e que costuma ter verdadeiros ataques quando algo não sai do jeito que ele quer – incluindo aí pratos quebrados e panelas voadoras.

Mas ele não entra nessa pilha. E os resultados aparecem dentro e fora do buffet. A chef carioca Andrea Rodrigues, em seu blog, fez o seguinte comentário, falando sobre o 3º Congresso Internacional de Gastronomia de São Paulo: “O almoço foi oferecido pelo chef Vinícius Rojo e seu Buffet, Rojo Criatividade Gourmet. Foi o único que fiz questão de colocar aqui porque o cara é bacana; uma pessoa tranquila passeando pelo buffet com toda simplicidade que um chef deveria ter. Não falo daquela falsa simplicidade, mas sim da verdadeira, coisa que a maioria desses que estão na mídia - não necessariamente, né? - não tem...”.

www.rojo.art.br

 Vinicius com a mão nos legumes - e ele também faz massa.
Foto: Marcos Multi

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