terça-feira, 26 de junho de 2012

Memórias De Um Senhor Gentil


Zuenir Ventura é um dos jornalistas mais conceituados do Brasil; passou pelos principais veículos de imprensa do país; escreveu livros que revelaram temas nunca antes tratados de forma tão bem explicada (vide Cidade Partida, que mostra o início das organizações criminosas do Rio de Janeiro e as conseqüências da omissão do poder público no quesito segurança); e, nas horas vagas (e nas ocupadas também) é um homem gentil, com sua fala mansa e seu jeito sempre didático de falar.

Alguém assim tem uma porção de histórias guardadas em sua memória. Mas, guardadas, elas não servem para muita coisa – quando ganham a rua e as páginas de algum livro, trazem prazer e conhecimento. É o que acontece com Minhas Histórias dos Outros, reunião de depoimentos de Ventura sobre fatos curiosos de sua carreira.

Sempre elegante, o jornalista narra com habilidade seus causos: seu início na profissão – assim como o colega Millor Fernandes, entrou na imprensa por acaso, que seu talento soube aproveitar; casos delicados, como o suicídio do poeta Pedro Nava, em que dá uma aula de como um repórter deve se comportar; a “terrível” vingança a que submeteu um adversário, algo difícil de imaginar em se tratando de alguém tão pacato quanto Ventura; o caso em que o gravador lhe deu um olé.

O livro fecha com a história comovente de Genésio, testemunha do assassinato de Chico Mendes, um dos maiores combatentes da destruição da natureza e do crescimento da agricultura predatória no Norte do Brasil. Ventura o conheceu quando foi ao Acre cobrir a investigação e o julgamento do caso – reportagem que gerou o livro Crime e Castigo, da coleção de Jornalismo Literário da Companhia das Letras. Ameaçado de morte, Genésio teve de sair do Acre. Como não havia ninguém para ajudá-lo, Ventura resolveu tirar o rapaz daquele ninho de cobra. As aventuras que viveu fora de sua terra e seu relacionamento com o jornalista, cheio de idas e vindas, são emocionantes.

Além da costumeira competência de Ventura de escrever histórias, vale pela curiosidade de espiar um pouco a produção jornalística nas suas internas. E, claro, conhecer um dos profissionais mais competentes do Brasil.



Título: Minhas Histórias dos Outros
Autor: Zuenir Ventura
Editora: Planeta
Páginas: 270
Preço médio: R$ 44,90

terça-feira, 19 de junho de 2012

E Como Eles Fazem, Hein?!


É a pergunta que todo interessado em literatura um dia deve ter feito. Como acontece a magia de vir a história maravilhosa, os personagens bem criados, as situações empolgantes, as frases que mexem com o nosso ser? Como Escrevo?, coletânea de depoimentos organizada pelo bibliotecário José Domingos de Brito, responde em boa parte essas curiosidades.

O livro traz relatos curtos de 103 escritores, tirados das mais diversas fontes, seguidos de uma breve biografia para situar o leitor. Estão na coletânea Anthony Burgess (que escreveu Laranja Mecânica, inspirador do filme), Clarice Lispector (que fez do seu “como escrevo” uma bela prosa lírica), Dalton Trevisan, Graciliano Ramos (e seu trabalho de “lavadeira de Alagoas”), Carlos Heitor Cony, Philip Roth, Moacir Scliar, entre outros. Textos introdutórios do próprio Scliar, de Ignácio de Loyola Brandão e do organizador dão um toque especial e despertam a curiosidade.

Como de se esperar, alguns relatos até são próximos, mas nunca iguais. Tem escritor que anota ideias, tem quem não anote; o que acredita ser desagradável começar um livro; tem o que pensa a palavra como algo que “não foi feito para enfeitar, brilhar como outro falso; a palavra foi feita para dizer”; o que não faz rascunhos e não revisa; o que escreve à mão e depois datilografa – e nem chega perto do computador; o que já escreveu dois livros num navio; e por aí vai.

E, como de se esperar, o livro não tem a pretensão de ser um “guia para escrever” ou “práticas para se imitar”, e nem o leitor deve encará-lo assim. São pitadas, temperos, curiodisses que deixam a leitura ainda mais saborosa. É metalinguagem ajudando a abrir portas na literatura.

 
Título: Como Escrevo?
Autor: José Domingos de Brito (org.)
Editora: Novera
Páginas: 232
Preço médio: R$ 39

terça-feira, 12 de junho de 2012

Ela Fez Tudo Pra Gente Gostar Dela...


O assassinato do rei de Portugal fez com que Maria do Carmo Miranda, aos 9 meses, viesse parar naquela terra longínqua chamada Brasil. Cresceu – pouco, já que chegou a 1,55 m. – e se tornou um dos maiores fenômenos artísticos do país.

O casamento com um picareta americano fez com que Carmen Miranda – que, naquele momento, já estava mais do que consagrada – tivesse dias de agonia e tristeza, agravados pelo excessivo uso de medicamentos e bebida alcoólica.

O período entre esses dois fatos você já pode ter ouvido falar - sucessos musicais como “Tahi” (aquela do “eu fiz tudo pra você gostar de mim”), os famosos turbantes e o jeito todo especial de Carmen encantar o público, no palco, em discos ou nas telonas.

Tá, mas... e o que mais? Boa parte desse “mais” pode ser encontrado no livro Carmen: Uma Biografia, do jornalista Ruy Castro (note o “uma” do título, que evita prepotências do tipo “a biografia definitiva”). Temperadas pelo humor e pela apuração detalhada de Castro (leia e descubra como uma das irmãs de Carmen ficou vesga aos 8 anos), as histórias da “brasileira mais famosa do século XX” são contadas de forma leve, fluente e interessante. E os contextos históricos, como a situação política e econômica de cada época, ajudam a situar o leitor.

Lançado em 2005 – e ganhador dos prêmios Jabuti de melhor biografia e melhor livro de não-ficção daquele ano – este é um livro referência para qualquer pessoa que queira estudar música, história e cultura. A obra não se propõe apenas a ser um “juntado de informações” - é coesa, única, com todas as nuances que um romance não ficcional deve ser.

Além dos acontecimentos da Pequena Notável, lendo este livro você saberá um pouco sobre como a indústria da música lidava com seus “produtos”, as diferenças entre o Rio de hoje e dos anos 30, 40 e 50, e a “máquina de moer gente” que Hollywood era (é?). Pegue para ler, para ontem.


 
Título: Carmen: Uma Biografia
Autor: Ruy Castro
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 632 (leia as anotações finais, há informações importantes nelas)
Preço médio: R$ 67
 

terça-feira, 5 de junho de 2012

Rock De Agência


Entre 23 de setembro e 2 de outubro de 2011, roqueiros de diversos gostos, visuais e lugares tomaram a Cidade do Rock, no Rio da Janeiro, para acompanhar o Rock in Rio daquele ano, num evento que movimentou milhares de pessoas (700 mil assistiram aos 7 dias de shows, de acordo com a organização) e milhões de reais (R$ 100 milhões em investimento). Entre outras bandas, tocaram Metallica, Capital Inicial, Slipknot, Katy Perry, Elton John e Coldplay. Além do atrativo de juntar uma série de estrelas da música nacional e internacional, o festival voltou a acontecer em terras brasileiras após 10 anos em Lisboa e Madrid – e, a organização já prometeu, ano que vem tem mais.

Mas... como começou tudo isso? Muita gente sabe que o início foi lá nos idos de 1985, com uma idéia maluca do publicitário Roberto Medina de organizar um festival com várias bandas e uma estrutura gigantesca – loucura para uma época economicamente psicodélica, num país em que shows internacionais costumavam terminar com roubo de equipamentos e calote de cachês. Porém, pouco se falou até hoje sobre os caminhos que levaram Queen, AC/DC, Ozzy Osbourne, Scorpions e outros grupos consagrados do rock a dar uns acordes por aqui. É o que Cid Castro faz em
Metendo O Pé Na Lama.

Cid escreveu
Metendo... com um olhar de dentro da organização. Publicitário, trabalhava na Artplan (agência de publicidade de Medina, organizadora do Rock in Rio 1) quando o festival dos “11 dias de paz e música” aconteceu. Participou ativamente de todo processo – é dele o famoso logo (um mundo azul-claro com um continente-guitarra em forma da América do Sul), o que não o impediu de ralar nos bastidores e na produção geral.

No livro, Cid vai costurando os caminhos do antes, do durante e do depois do festival que ajudou a profissionalizar o showbizz brasileiro: a descrença inicial, as dificuldades em atrair patrocínios e bandas, a produção em si, os chiliques e as frescuras dos artistas e algumas excentricidades - por exemplo, o original aquecimento que os músicos do Scorpions faziam, correndo do camarim até o palco, exatamente como recomendava o personal trainner
deles, numa típica demonstração de disciplina alemã.

Aspectos da vida pessoal do autor também são abordados. Hoje trabalhando como publicitário free lancer
na Europa, Cid conta o começo de carreira e os perrengues pelos quais passou, como quando morou num “apertamento” na companhia de uma gata que mais rosnava que miava; sua chegada a uma grande agência; e todas as dores e delícias que cercavam a Artplan naquela época. Também fala do prazer que foi trabalhar com rock, seu estilo musical preferido na adolescência.

Embora os palavrões escancarados possam gerar uma certa estranheza – de certo o autor tenha pretendido levar um pouco do ambiente solto do rock e das agências de publicidade – o livro vale para se conferir como começou um dos maiores empreendimentos da indústria do entretenimento feitos até hoje. Importante considerar que não se trata de uma reportagem sobre o festival – o livro foi escrito baseado nas memórias de Cid, o que não diminui o aspecto curioso da obra. Bom registro de um dos capítulos mais importantes do rock brasilis.

 
Título: Metendo O Pé Na Lama
Autor: Cid Castro
Editora: Tinta Negra
Páginas: 264
Preço médio: R$ 39,90