terça-feira, 14 de agosto de 2012

Fala De Mestre


O que aconteceria se estivessem juntos, bem pertinho um do outro, Nelson Rodrigues, Millôr Fernandes, Henfil, Pelé, Joel Silveira, Ivan Lessa e João Saldanha? Simples: talento jorrando pra todo lado. O melhor é que isso já acontece, no (incompreensivelmente) pouco falado site do jornalista Geneton Morais Neto.

Em 2008, para um trabalho de faculdade, tive a honra de fazer uma breve entrevista com Geneton sobre o www.geneton.com.br – fundamental para quem quer conhecer personagens fantásticos de um ângulo original. Bom, quando um mestre fala é bom prestar atenção. Então...

Como o senhor teve a idéia de criar este site?
O site é apenas uma maneira de expor e tornar acessíveis entrevistas e reportagens que, de outra maneira, estariam "mofando" nos arquivos. Não é um blog, porque não tenho tempo (nem disposição) para um exercício de atualização diária. Mas pode ser útil para eventuais internautas que estejam em busca de informações sobre nomes como Paulo Francis, Joel Silveira, Ivan Lessa e tantos outros.

Não há propagandas nele. O senhor o “sustenta” com sua própria grana?
O custo é irrisório. De três em três meses, pago uma taxa pela hospedagem do site. É esta uma das vantagens da revolução provocada pela Internet: hoje, é possível publicar sem gastar. É como se cada um pudesse ser dono de um jornal.

Nunca houve reclamação pelo fato de o site ter matérias tão longas, com pouquíssimas fotos, como a entrevista com o Nelson Rodrigues, que tem 40 mil caracteres?
Não. Os textos não foram feitos para a internet. A entrevista com Nélson Rodrigues, por exemplo, é um capítulo de um livro que publiquei há anos. Além de tudo, o espaço na Internet é livre. Em tese, não há limites. O único limite é ditado pela paciência e pela disposição dos eventuais leitores.
Além de ninguém meter o bedelho, quais são as outras vantagens de se escrever num site?
A grande e insubstituível vantagem é o fato de que, na internet, um repórter pode publicar suas entrevistas e reportagens sem interferência de "alienígenas" - entre eles, os editores, com suas temíveis tesouras.

O senhor acredita que a internet vai um dia substituir o papel?
De início, eu achava que não. Mas hoje tenho minhas dúvidas. É provável que os jornais de papel sobrevivam, mas com outro espírito. Não podem continuar publicando na primeira página, como se fossem novidades, notícias que o leitor já conhece desde a véspera.

Quanto tempo o senhor acredita que o jornal de embrulhar peixe vai durar? E as revistas?
Tanto os jornais como as revistas sobreviverão, mas serão consumidos, acho, por uma faixa específica de leitores. As multidões frequentarão os sites.

Seu site é licenciado pelo esquema de Criative Commons. Muita gente já o usou para alguma coisa?
Para dizer a verdade, não tenho idéia. Aliás, eu nem sabia que o site era licenciado! A única utilidade do site, acho, é a de matar a curiosidade de eventuais visitantes sobre as grandes figuras que entrevistei. Também pode servir como passatempo para quem esteja com insônia.

O senhor nunca pensou em transformar o geneton.com.br num site multimídia, com, por exemplo, trechos de vídeos?
Adiante, pode ser. Por ora, o geneton.com.br cumpre o papel que lhe cabe: é um site simples, feito por uma pessoa nas (poucas) horas vagas. Nasceu para ser um "armazém" de textos. As portas estão abertas para os fregueses. Resta-me torcer para que as visitas não saiam decepcionadas.

 Geneton e Joel Silveira: a Terra deve ter parado de girar  
para assistir a este encontro...

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Viagem Fora Dos Cartões Postais


Ruy Castro é, como todo bom jornalista, um curioso fanático. Ele também gosta de viajar. Então, ele junta esses dois prazeres para descobrir o que os cartões postais e os guias de turismo não conseguem mostrar. Sobre o mundo todo e sobre o Rio de Janeiro que ele adotou, ele gosta dos becos, das histórias ocultas, do não óbvio.

E por que não juntar essas histórias em livro? Foi o que ele fez em Terramarear, coletânea de relatos das experiências vividas por ele e por sua namorada, a escritora Heloísa Seixas, mundo afora. Os textos foram escritos em diversas épocas, mostrando o que acontecia nos lugares naqueles momentos. Exemplo disso são os artigos de Ruy para o jornal Estado de S.Paulo quando do bicentenário da Revolução Francesa – ele estava lá e acompanhou toda comemoração, e como a política brasileira fez sua marcante (e custosa) presença no evento.

Os países são o de sempre – Estados Unidos, França, Itália, Alemanha, Portugal –, o que não tira o encanto do livro, pois as histórias mostram o “subsolo”, o que não costuma ganhar foco. Conta a relação de lugares com a arte, onde foram gravadas algumas cenas de cinema, onde ter aventuras gastronômicas e o faro de Ruy para achar o que parece inachável. Os textos de Heloísa tem menos graça, mas vale sua experiência na “terrível e sombria” União Soviética comunista.

Também ganha um pedaço partes do Rio que as pessoas não prestam atenção. Nele, estão o nascer do sol de Copacabana; o verão, a estação hedonista, e que ganha personalidade naquela cidade; a arte arquitetônica de lá.

O livro deixa a seguinte torcida: quem sabe um dia Ruy não faça um livro falando de lugares curiosos da Letônia, uma cena gravada na Malásia, uma visita inusitada de um artista em Belize. Para um país como o Brasil, que no momento acostuma-se a ficar na crista da onda, seria interessante e importante conhecer países fora do eixo EUA-Europa Ocidental pelos olhos de um jornalista competente e com curiosidade de barata.

 
Título: Terramarear
Autores: Ruy Castro e Heloísa Seixas
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 232
Preço médio: R$ 42

terça-feira, 31 de julho de 2012

O Místico Azulão


Há personagens da cultura brasileira que, sabe-se lá porquê, só andam vivos na memória de quem conviveu com eles. Gente com histórias fascinantes e vivências ricas, e de episódios que demoram para ganhar a rua. Jayme Ovalle foi um deles. Ele conviveu com Manuel Bandeira e Vinícius de Moraes; chegou até a compor uma música com o primeiro que virou um clássico: “Azulão”.

Mas este não está perdido. Felizmente, a vida dele nos encontra nas páginas de O Santo Sujo, do jornalista Humberto Werneck, em bela edição feita pela Cosac Naif. Ali está a vida do Místico, desde o início de sua existência, no Chile (não dele propriamente, mas do avô, expulso de casa), seu nascimento no Pará e seus relacionamentos com gente poderosa e as paixões arrebatadoras.

Não leia se estiver com sono ou disperso – a escrita lírica e sensual de Werneck pode lhe fazer escapar um fiapo de história que, em seguida, poderá fazer falta. Lírica e linda, aliás, fazendo entender melhor a simplicidade e a beleza dos caminhos de Ovalle, além de deixar a gostosa dúvida: que tipo de artista Ovalle foi? O grande número de citações não atrapalha a fluência da leitura, embora, em alguns momentos, elas poderiam ser transformadas em texto corrido.

Quando chegar ao epílogo, tome fôlego: é um dos mais lindos e originais já encontrados em biografias. A personagem nele é a filha de Ovalle, Mariana, e mostra como o mundo roda e as histórias se repetem. Um belo presente para nós e uma homenagem ao sujeito que fazia questão de andar por aí de monóculo.


O Levi Dosan fez uma breve entrevista com o autor, Humberto Werneck:

Como o “místico” apareceu na sua vida?
A primeira vez que ouvi falar em Jayme Ovalle foi aos 16 anos, quando li uma frase dele ("O suicídio é um ato de publicidade: a publicidade do desespero") usada como epígrafe num conto do [jornalista e escritor mineiro] Ivan Ângelo. Procurei livros dele nas bibliotecas – nada. Só mais adiante soube que Ovalle inspirou um personagem do romance O Encontro Marcado, do [também escritor e também mineiro] Fernando Sabino: o velho Germano, um diplomata aposentado que diz coisas bizarras, poéticas, inusitadas – exatamente como Ovalle na vida real. Foi na leitura de Sabino, não só desse romance como de várias crônicas, que comecei a formar na cabeça a figura singularíssima desse artista sem obra.

O senhor acredita que ainda haja muitos personagens da cultura brasileira que mereceriam mais atenção?
Há vários. Por exemplo, Augusto Frederico Schmidt – aliás, muito amigo de Ovalle e marido de uma sobrinha dele –, que, além de poeta, foi empresário de sucesso, fundador do primeiro supermercado do Brasil, além de intelectual que teve papel importante no governo do presidente Juscelino Kubistchek. Outro extraordinário personagem, esse ainda menos conhecido, é Evandro Pequeno, músico, jornalista, homem erudito, de quem falo um pouco na biografia de Ovalle.

Que tipo de resposta dos leitores de O Santo sujo o senhor recebeu?
A maioria dos leitores que se manifestaram nunca tinha ouvido falar em Ovalle. E todos, sem exceção, se mostraram encantados com ele.

E um breve relato da experiência ovalleana de Humberto :
Se soubesse o que me esperava, provavelmente não teria feito o livro. Não quero valorizar o meu trabalho, mas a batalha para reconstituir a figura e a vida de um personagem sobre quem se sabia muito pouco, praticamente já sem contemporâneos (Ovalle morreu em 1955, aos 61 anos), foi uma empreitada insana. Costumo dizer que foi algo semelhante ao trabalho dos técnicos para reconstruir um avião espatifado, como forma de conhecer a causa do acidente. Mas, pensando bem, esta não é uma boa imagem, pois os técnicos de antemão sabem como era o avião – ao passo que eu nem desconfiava da extraordinária riqueza e complexidade do meu personagem, do qual não tinha mais que uma tênue ideia e algumas informações, várias delas equivocadas. Foram 17 anos para reconstituir Jayme Ovalle, artista que, mesmo não tendo obra, influenciou vários outros, entre eles figuras graúdas como Manuel Bandeira e Vinícius de Moraes.



Título: O Santo Sujo
Autor: Humberto Werneck
Editora: Cosac Naif
Páginas: 400
Preço médio: R$ 72

terça-feira, 24 de julho de 2012

Um Retrato Da Imprensa Na Cochia


Em 1992, nosso país passou por um negócio de nome estranho: impeachment. Ou seja: o presidente foi convidado a se retirar de seu posto. O hoje senador Fernando Collor de Mello saiu da presidência pela porta dos fundos, entrou na porta da frente do avião e foi para Miami gastar o dinheiro que só o Diabo sabe como ele conseguiu.

Como a imprensa cobriu a primeira eleição direta para presidente depois dos anos cinzas da ditadura? Como jornais, revistas e as emissoras de televisão mostraram os anos Collor de governo? São questões que o jornalista Mário Sérgio Conti pretendeu responder em Notícias do Planalto, livro que mostra os bastidores dos bastidores do jornalismo naquele período.

O livro, ganhador do prêmio Jabuti de reportagem, segue por dois caminhos: como os veículos de comunicação reportaram os anos colloridos e como esses veículos surgiram. Mostra Victor desaconselhando o filho Roberto a formar uma revista semanal; Domingos e seu começo como galã de novela; Octávio, os sapatos estranhos, a rodoviária, o jornal; Roberto, a morte do pai no banheiro e a penhora da casa; João e o sogro do governo.

Alguns casos nebulosos são esmiuçados, como a edição do debate do segundo turno entre Collor e Lula – afinal de contas, a Globo forçou ou não a barra a favor de Collor? Conti passa pelas ordens dadas, pelos envolvidos (Roberto Marinho, Boni, Alberico Cruz e Armando Nogueira) e as consequências geradas a cada um deles.

Conti usa sua experiência como ex-editor chefe da revista Veja, ainda na época em que a Veja praticava jornalismo (1992-1997), para entrar em labirinto tão pantanoso. Aliás, Mário, hoje da revista piauí e apresentador do programa Roda Viva, da TV Cultura, saiu da Editora Abril para escrever o livro, que consumiu dois anos de pesquisa, inclusive com ex-chefes – ele também trabalhou na Folha de S. Paulo. Um bom retrato para se conhecer aqueles que nos abastecem de informação.

P.S.: vale a pena ver o Roda Viva em que Conti fala do livro (é, o mundo roda...). Serve para ver o que acontece quando se junta muitos jornalistas na mesma gaiola:
www.youtube.com/watch?v=1DCZEa2NOEE



Título: Notícias do Planalto
Autor: Mário Sérgio Conti
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 752
Preço médio: R$ 78
OBS.: há uma versão econômica, de papel mais simples e 528 páginas, que sai por R$ 39,50.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Como Se Disseca Leões


O livro Na Toca dos Leões, a história da agência de publicidade W/Brasil (hoje WMcCann) rendeu uma baita dor de cabeça ao seu autor, o jornalista Fernando Morais, por conta de um caso relatado nele. Nas eleições para presidente de 1989, o hoje deputado federal Ronaldo Caiado teria sugerido a ideia de obrigar mulheres nordestinas a fazer laqueadura. Caiado entrou com um processo, o livro foi apreendido, e Morais, proibido de falar de sua obra, algo que, segundo ele, não acontecia nem na época da ditadura.

Histórias quentes como essa fazem parte da vida de um dos maiores publicitários de todos os tempos, Washington Olivetto. O livro mostra como é o efervescente mundo da publicidade, em que o Brasil faz escola e ensina a outros países. E não é só isso: Morais conta a criatura e os criadores, com perfis de Olivetto e dos seus dois sócios na W: Gabriel Zellmeister e Javier Llussá Ciuret.

Morais topou escrevê-lo depois de um pedido de Olivetto, que, ao ler o clássico O Reino e o Poder (de Gay Talese), a história do jornal The New York Times, ficou com vontade de ter uma biografia para chamar de sua. O livro, no entanto, nem de longe é chapa-branca, e conta com a tradicional chatice (no bom sentido) de Morais em contar os detalhes e os detalhes dos detalhes.

O jornalista passa por todas as fases de Olivetto, desde a infância (quando ficou um ano sem poder andar), a sacada que o fez entrar na publicidade, sua entrada na agência DPZ (e sua conturbada saída de lá), a fundação da W/Brasil (à princípio W/GGK, em sociedade com uma empresa suíça) e como sua agência e seu nome se tornaram fortes no mercado da comunicação. E populares também: basta lembrar que, só por Jorge Ben Jor, ela já foi citada em música duas vezes.

O livro reserva um capítulo ao mais delicado episódio vivido por Olivetto: seu sequestro, em 2001, depois de parar numa falsa blitz. Morais relata todo o incidente e a operação que o libertou – aliás, o sequestro aconteceu enquanto o jornalista fazia a apuração para o livro. Bom para quem quer ler sobre uma história de sucesso, e para o ego do corintiano Olivetto também – porque a primeira biografia a gente nunca esquece.

 
Título: Na Toca dos Leões
Autor: Fernando Morais
Editora: Planeta
Páginas: 496
Preço médio: R$ 54,90

terça-feira, 10 de julho de 2012

O Vermelho E O Cristalino


Biografias de jornalistas são sempre bem vindas – porque também somos pessoas; porque jornalistas também podem ter boas histórias; porque conhecer como e quem faz jornalismo ajuda a todos a entender esse ofício tão importante. E, quando se tem um verdadeiro personagem dessa profissão, aí a pena vale o dobro.

É o caso de Tarso de Castro, que teve a sua vida colocada em papel em 75 kg de Músculo e Fúria, do jornalista Tom Cardoso. Ideia oportuna essa a de registrar a vida de um dos fundadores d'O Pasquim. E ele tinha de participar mesmo da fundação da mais anárquica das publicações. Tarso era um indomável, sobretudo quando o assunto era bebida, mulheres, irreverência – e qualidade para escrever.

Quanto à bebida, não teve culpa – começou a tomar umas por questões profissionais, ainda na época em que trabalhava no jornal do pai, no Rio Grande do Sul. Quanto à irreverência, compensava as loucuras que fazia com sagacidade e inteligência – hilário saber que, na sua passagem pela Folha de S.Paulo, dava expediente nos bares próximos, e só voltava à redação se Lilian Pacce, hoje entendedora de moda, fosse buscá-lo. Merece atenção também sua participação na música “Detalhes”, aquela mesmo, do rei...

Como revés, apenas alguns piolhos na revisão de conteúdo – há no livro, três vezes em páginas próximas, a informação de que Leonel Brizola era cunhado do presidente golpeado João Goulart – mas nada que atrapalhe a leitura. Nele, você vai conhecer um jornalista que fazia jornalismo com vermelho (de sangue de repórter) e o cristalino (dos etílicos).

O Levi Dosan fez três perguntas para o autor, Tom Cardoso:

Como surgiu a ideia de fazer a biografia do Tarso de Castro?
Meu pai, Jary Cardoso, atualmente editor de Opinião do jornal A Tarde, em Salvador, trabalhou com o Tarso em duas publicações: JA e Folhetim. Meu pai tinha vontade de escrever um livro sobre imprensa alternativa e, tarsista de carteirinha, fazer justiça ao personagem Tarso de Castro, o verdadeiro criador d'O Pasquim, que hoje não é nem citado nas matérias especiais sobre o jornal. Ouvindo meu pai falar sobre a importância de Tarso, o estilo passional, o sucesso com as mulheres, a coragem e o atrevimento etc., não tive dúvida que a vida do cara valia um livro. Meu pai me entregou uma caixa com todas as publicações editadas pelo Tarso, li tudo e comecei as entrevistas. Terminei tudo em um ano.

A imagem que se tinha dele, e que já não era tão conhecida, era a de um jornalista porralouca, um incontrolável. Você acredita que esse estereótipo acabou depois do livro?
O Tarso, apesar da porralouquice, era um fazedor de coisas, e fazer jornalismo durante o regime militar não era para qualquer um. A porralouquice fez d'O Pasquim o jornal que foi, aberto a todos os movimentos. Se não fosse pelo Tarso, diretor de redação, O Pasquim não teria a mesma força, nem o mesmo tom libertário. Se dependesse do Millor, do Ziraldo e do Francis, as grandes entrevistas (Flávio Cavalcanti, Roberto Carlos, Leila Diniz) nem existiriam. É claro que o estilo do Tarso, o indomável, o perdulário, também contribuiu para que os jornais não sobrevivessem por muito tempo ou que ele (no caso d'O Pasquim e da Folha) acabasse expulso pelos desafetos. A Folha, por exemplo, perdeu muito com a saída dele.

Por que o Millor Fernandes não quis falar sobre Tarso?
Eu queria fazer uma biografia passional, no estilo Tarso. O meu livro é um livro a favor do Tarso, não é um livro de manual, não tem o “outro lado”, tanto que mandei um faz para a casa do Millor, pedindo a entrevista, ele não respondeu e eu não insisti. O Millor já tem uma legião de bajuladores, e o Tarso estava esquecido. E ele teve, sim, uma atitude covarde durante o episódio da prisão do pessoal d'O Pasquim. Os que defendem dizem que ele escreveu todo o jornal enquanto os outros estavam presos, mas o cara escreveu e não foi incomodado. Todo mundo sabia o endereço do Millor. E por que ninguém bateu na sua porta? No mínimo estranho...

 

Título: 75 kg de Músculo e Fúria
Autor: Tom Cardoso
Editora: Planeta
Páginas: 280
Preço médio: R$ 44,90

terça-feira, 3 de julho de 2012

Ele Tentou...


Eu não tenho sangue de barata!” Você já deve ter dito isso. Se já, com certeza não estava na pele do diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que dedicou toda sua vida adulta trabalhando na Organização das Nações Unidas, a famosa ONU. Ele fez de um tudo lá: engoliu burocracias, negociou com facínoras, teve esperança, ajudou a montar e remontar nações. E morreu por isso.

O Homem que Queria Salvar o Mundo, da jornalista americana Samantha Power, conta a vida de Sérgio e toda sua carreira na ONU, onde começou a trabalhar aos 17 anos inspirado pelo pai, também diplomata. Queria cuidar de gente, e em determinados momentos até conseguiu, como na volta de milhares de refugiados cambojanos ao seu país de origem. Mas teve de enfrentar politicagens e pessoas mais preocupadas com documentos do que com corações e mentes.

Samantha mostra o caráter de Vieira de Mello, sua dedicação que o fez deixar de lado a vida pessoal e pousar em dois dos maiores massacres étnicos do século 20: Ruanda e Bósnia (onde sua atuação fui fundamental para que se descobrisse os crimes contra a humanidade cometidos lá). Participou ativamente da criação do Timor Leste, que, depois de uma sangrenta batalha, conseguiu sua independência da Indonésia. E teve o privilégio de ouvir mentiras de George W. Bush, inventor da invasão do Iraque, onde Vieira de Mello faria sua derradeira missão antes de morrer num atentado suicida – o último capítulo reconstitui em detalhes a explosão do caminhão que acabou com o prédio onde Sérgio estava, mostrando como aquele país foi invadido sem nenhuma estratégia.

A biografia prima por não falar apenas de Sérgio. Samantha faz uma cuidadosa ambientação – política, geográfica e humanitária –, o que possibilita ao leitor percorrer os caminhos pelos quais a vida de Sérgio andou. O único aspecto ruim da edição são as notas explicativas, colocadas no fim do livro, ao invés de estarem no rodapé, o que facilitaria a leitura.

Querer salvar o mundo pode parecer prepotência, mas foi exatamente o que Sérgio queria fazer. Pensando alto, conseguiu fazer muito numa instituição como a ONU, sem muito poder prático. Tentando seguir a lógica de que alguém pode não gostar de outro povo, mas tem a obrigação de respeitá-lo, e nada justifica que queria matá-lo, Sérgio buscou sempre uma meta: a paz.

No caderno de fotos, há um registro de Sérgio com líderes sérvios-bósnios, após uma reunião para acordo de paz na região. Na mesma imagem estão, há poucos metros de distância, Sérgio e Radovan Karadzic, principal responsável pelos massacres na Bósnia e que, dentro em breve, estará no banco dos réus de Haia. Uma pergunta a se fazer a Sérgio quando chegarmos ao céu: “o que se passou na sua cabeça nesse momento?”.

A uma certeza é possível chegar, sem perguntar: ele tentou...

 
Título: O Homem que Queria Salvar o Mundo
Autora: Samantha Power
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 688
Preço médio: R$ 66

terça-feira, 26 de junho de 2012

Memórias De Um Senhor Gentil


Zuenir Ventura é um dos jornalistas mais conceituados do Brasil; passou pelos principais veículos de imprensa do país; escreveu livros que revelaram temas nunca antes tratados de forma tão bem explicada (vide Cidade Partida, que mostra o início das organizações criminosas do Rio de Janeiro e as conseqüências da omissão do poder público no quesito segurança); e, nas horas vagas (e nas ocupadas também) é um homem gentil, com sua fala mansa e seu jeito sempre didático de falar.

Alguém assim tem uma porção de histórias guardadas em sua memória. Mas, guardadas, elas não servem para muita coisa – quando ganham a rua e as páginas de algum livro, trazem prazer e conhecimento. É o que acontece com Minhas Histórias dos Outros, reunião de depoimentos de Ventura sobre fatos curiosos de sua carreira.

Sempre elegante, o jornalista narra com habilidade seus causos: seu início na profissão – assim como o colega Millor Fernandes, entrou na imprensa por acaso, que seu talento soube aproveitar; casos delicados, como o suicídio do poeta Pedro Nava, em que dá uma aula de como um repórter deve se comportar; a “terrível” vingança a que submeteu um adversário, algo difícil de imaginar em se tratando de alguém tão pacato quanto Ventura; o caso em que o gravador lhe deu um olé.

O livro fecha com a história comovente de Genésio, testemunha do assassinato de Chico Mendes, um dos maiores combatentes da destruição da natureza e do crescimento da agricultura predatória no Norte do Brasil. Ventura o conheceu quando foi ao Acre cobrir a investigação e o julgamento do caso – reportagem que gerou o livro Crime e Castigo, da coleção de Jornalismo Literário da Companhia das Letras. Ameaçado de morte, Genésio teve de sair do Acre. Como não havia ninguém para ajudá-lo, Ventura resolveu tirar o rapaz daquele ninho de cobra. As aventuras que viveu fora de sua terra e seu relacionamento com o jornalista, cheio de idas e vindas, são emocionantes.

Além da costumeira competência de Ventura de escrever histórias, vale pela curiosidade de espiar um pouco a produção jornalística nas suas internas. E, claro, conhecer um dos profissionais mais competentes do Brasil.



Título: Minhas Histórias dos Outros
Autor: Zuenir Ventura
Editora: Planeta
Páginas: 270
Preço médio: R$ 44,90

terça-feira, 19 de junho de 2012

E Como Eles Fazem, Hein?!


É a pergunta que todo interessado em literatura um dia deve ter feito. Como acontece a magia de vir a história maravilhosa, os personagens bem criados, as situações empolgantes, as frases que mexem com o nosso ser? Como Escrevo?, coletânea de depoimentos organizada pelo bibliotecário José Domingos de Brito, responde em boa parte essas curiosidades.

O livro traz relatos curtos de 103 escritores, tirados das mais diversas fontes, seguidos de uma breve biografia para situar o leitor. Estão na coletânea Anthony Burgess (que escreveu Laranja Mecânica, inspirador do filme), Clarice Lispector (que fez do seu “como escrevo” uma bela prosa lírica), Dalton Trevisan, Graciliano Ramos (e seu trabalho de “lavadeira de Alagoas”), Carlos Heitor Cony, Philip Roth, Moacir Scliar, entre outros. Textos introdutórios do próprio Scliar, de Ignácio de Loyola Brandão e do organizador dão um toque especial e despertam a curiosidade.

Como de se esperar, alguns relatos até são próximos, mas nunca iguais. Tem escritor que anota ideias, tem quem não anote; o que acredita ser desagradável começar um livro; tem o que pensa a palavra como algo que “não foi feito para enfeitar, brilhar como outro falso; a palavra foi feita para dizer”; o que não faz rascunhos e não revisa; o que escreve à mão e depois datilografa – e nem chega perto do computador; o que já escreveu dois livros num navio; e por aí vai.

E, como de se esperar, o livro não tem a pretensão de ser um “guia para escrever” ou “práticas para se imitar”, e nem o leitor deve encará-lo assim. São pitadas, temperos, curiodisses que deixam a leitura ainda mais saborosa. É metalinguagem ajudando a abrir portas na literatura.

 
Título: Como Escrevo?
Autor: José Domingos de Brito (org.)
Editora: Novera
Páginas: 232
Preço médio: R$ 39

terça-feira, 12 de junho de 2012

Ela Fez Tudo Pra Gente Gostar Dela...


O assassinato do rei de Portugal fez com que Maria do Carmo Miranda, aos 9 meses, viesse parar naquela terra longínqua chamada Brasil. Cresceu – pouco, já que chegou a 1,55 m. – e se tornou um dos maiores fenômenos artísticos do país.

O casamento com um picareta americano fez com que Carmen Miranda – que, naquele momento, já estava mais do que consagrada – tivesse dias de agonia e tristeza, agravados pelo excessivo uso de medicamentos e bebida alcoólica.

O período entre esses dois fatos você já pode ter ouvido falar - sucessos musicais como “Tahi” (aquela do “eu fiz tudo pra você gostar de mim”), os famosos turbantes e o jeito todo especial de Carmen encantar o público, no palco, em discos ou nas telonas.

Tá, mas... e o que mais? Boa parte desse “mais” pode ser encontrado no livro Carmen: Uma Biografia, do jornalista Ruy Castro (note o “uma” do título, que evita prepotências do tipo “a biografia definitiva”). Temperadas pelo humor e pela apuração detalhada de Castro (leia e descubra como uma das irmãs de Carmen ficou vesga aos 8 anos), as histórias da “brasileira mais famosa do século XX” são contadas de forma leve, fluente e interessante. E os contextos históricos, como a situação política e econômica de cada época, ajudam a situar o leitor.

Lançado em 2005 – e ganhador dos prêmios Jabuti de melhor biografia e melhor livro de não-ficção daquele ano – este é um livro referência para qualquer pessoa que queira estudar música, história e cultura. A obra não se propõe apenas a ser um “juntado de informações” - é coesa, única, com todas as nuances que um romance não ficcional deve ser.

Além dos acontecimentos da Pequena Notável, lendo este livro você saberá um pouco sobre como a indústria da música lidava com seus “produtos”, as diferenças entre o Rio de hoje e dos anos 30, 40 e 50, e a “máquina de moer gente” que Hollywood era (é?). Pegue para ler, para ontem.


 
Título: Carmen: Uma Biografia
Autor: Ruy Castro
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 632 (leia as anotações finais, há informações importantes nelas)
Preço médio: R$ 67
 

terça-feira, 5 de junho de 2012

Rock De Agência


Entre 23 de setembro e 2 de outubro de 2011, roqueiros de diversos gostos, visuais e lugares tomaram a Cidade do Rock, no Rio da Janeiro, para acompanhar o Rock in Rio daquele ano, num evento que movimentou milhares de pessoas (700 mil assistiram aos 7 dias de shows, de acordo com a organização) e milhões de reais (R$ 100 milhões em investimento). Entre outras bandas, tocaram Metallica, Capital Inicial, Slipknot, Katy Perry, Elton John e Coldplay. Além do atrativo de juntar uma série de estrelas da música nacional e internacional, o festival voltou a acontecer em terras brasileiras após 10 anos em Lisboa e Madrid – e, a organização já prometeu, ano que vem tem mais.

Mas... como começou tudo isso? Muita gente sabe que o início foi lá nos idos de 1985, com uma idéia maluca do publicitário Roberto Medina de organizar um festival com várias bandas e uma estrutura gigantesca – loucura para uma época economicamente psicodélica, num país em que shows internacionais costumavam terminar com roubo de equipamentos e calote de cachês. Porém, pouco se falou até hoje sobre os caminhos que levaram Queen, AC/DC, Ozzy Osbourne, Scorpions e outros grupos consagrados do rock a dar uns acordes por aqui. É o que Cid Castro faz em
Metendo O Pé Na Lama.

Cid escreveu
Metendo... com um olhar de dentro da organização. Publicitário, trabalhava na Artplan (agência de publicidade de Medina, organizadora do Rock in Rio 1) quando o festival dos “11 dias de paz e música” aconteceu. Participou ativamente de todo processo – é dele o famoso logo (um mundo azul-claro com um continente-guitarra em forma da América do Sul), o que não o impediu de ralar nos bastidores e na produção geral.

No livro, Cid vai costurando os caminhos do antes, do durante e do depois do festival que ajudou a profissionalizar o showbizz brasileiro: a descrença inicial, as dificuldades em atrair patrocínios e bandas, a produção em si, os chiliques e as frescuras dos artistas e algumas excentricidades - por exemplo, o original aquecimento que os músicos do Scorpions faziam, correndo do camarim até o palco, exatamente como recomendava o personal trainner
deles, numa típica demonstração de disciplina alemã.

Aspectos da vida pessoal do autor também são abordados. Hoje trabalhando como publicitário free lancer
na Europa, Cid conta o começo de carreira e os perrengues pelos quais passou, como quando morou num “apertamento” na companhia de uma gata que mais rosnava que miava; sua chegada a uma grande agência; e todas as dores e delícias que cercavam a Artplan naquela época. Também fala do prazer que foi trabalhar com rock, seu estilo musical preferido na adolescência.

Embora os palavrões escancarados possam gerar uma certa estranheza – de certo o autor tenha pretendido levar um pouco do ambiente solto do rock e das agências de publicidade – o livro vale para se conferir como começou um dos maiores empreendimentos da indústria do entretenimento feitos até hoje. Importante considerar que não se trata de uma reportagem sobre o festival – o livro foi escrito baseado nas memórias de Cid, o que não diminui o aspecto curioso da obra. Bom registro de um dos capítulos mais importantes do rock brasilis.

 
Título: Metendo O Pé Na Lama
Autor: Cid Castro
Editora: Tinta Negra
Páginas: 264
Preço médio: R$ 39,90

terça-feira, 29 de maio de 2012

Mais Texto! Mais História! Mais Tudo!!!


Vale Tudo – O Som a a Fúria de Tim Maia, biografia do cantor com mais fama de reclamão da história, saiu em 2006, mas é daquela classe de livros cuja qualidade e importância pode ser reconhecida para todo o sempre. Nelson Motta, grande conhecedor de música e amigo do cara, conseguiu colocar no papel os vários meandros da vida do “gordinho mais simpático do Brasil”, com direito aos “palavrões” a que Tim teve direito e a histórias saborosas que o próprio Tim, glutão confesso, devoraria com prazer.

Tim, com o tempo, ganhou uma imagem caricata a respeito de sua personalidade – quem não conhece a história em que Tim sempre atrasava em shows, isso quando ia? Mas a biografia mostra que há muito a se saber. Nele, está a relação musical de Tim com dois outros monstros da arte: Roberto e Erasmo Carlos; as aventuras dele em terras americanas – e a sua não muito simpática volta à terra natal; sua relação com o Universo em Desencanto, que se transformaria em desencanto em breve; suas brigas por qualidade de som numa época em que a produção brasileira ainda apanhava um bocado; seu envolvimento em enrascadas, algumas das quais só entrando por ter fama de encrenqueiro.

Sem paternalizar nem proteger, Motta conta um Tim pouco conhecido por quem não conviveu com ele. Que era louco, intenso, colecionador de manias, isso ele cultivava com gosto. Só que Tim não se resumia a confusão. Seu talento musical, seu ouvido sensível e treinado, seu interesse em pescar novidades... Tudo isso movimentou a música brasileira, e gerou grandes frutos colhidos até hoje.

Os frutos de Tim, inclusive, impediram que o livro fosse editado antes. Ideia antiga de Motta, a biografia esperou a definição, na Justiça, de quem era o dono do espólio do cantor, disputado por parentes e credores do cantor. Somente após a decisão – Carmelo, único filho de sangue de Tim, ganhou a parada – é que a biografia pode ser lançada. E Sebastião Rodrigues Maia veio à tona...

Pequenos problemas na revisão não impedem que a leitura do livro seja divertida. Motta usa adequadamente o humor para falar de um cara que, até na fase Racional, não perdia a piada. Sem contar que o livro traz boa parte da história musical brasileira recente. Se Tim estivesse vivo, após ler o livro, gritaria: “MAIS TEXTO! MAIS HISTÓRIA! MAIS TUDO!!!”.

P.S.: recentemente, foram lançadas uma caixa com todos os álbuns de Tim e uma coleção comprada em bancas de jornais. Se conseguir, compre, para ontem.


Título: Vale Tudo – O Som E A Fúria De Tim Maia
Autor: Nelson Motta
Editora: Objetiva
Páginas: 392
Preço médio: R$ 56,90

domingo, 27 de maio de 2012

Happy Hour Geração Y


Nada de ovos coloridos: a vida nos botecos agora tem sabor especial

Dia 22 de fevereiro de 2011. Internazionale de Milão e Bayern de Munique jogam a partida de ida das oitavas de final da Liga dos Campeões da Europa. O jogo tem vários temperos: é uma repetição da final passada, em que a Inter bateu o time alemão por 2 a 0; são dois timaços – Eto'o, Milito, Sneider e Júlio César de um lado, Robben, Gomez e Schweinsteiger do outro; e é o confronto de dois dos times mais importantes do mundo.

Um belo programa para se ver em casa. Mas, que tal assistir à partida num boteco? “No trabalho seria uma correria e em casa não tem muita graça. Aproveitei o tempo livre para ver o jogo aqui”, diz o consultor econômico Alfredo Bastia Junior, que assistiu à partida acompanhado de uma porção de bolinho de bacalhau. “É muito mais legal ver aqui. Só o bolinho já é suficiente para dar um gosto especial ao futebol”.

Esse “aqui” de que Alfredo fala é o Boteco São Bento, no bairro do Itaim. Inaugurado em 2007, faz sucesso desde o início. Com três ambientes, um deles ao ar livre, é enfeitado ao centro com duas árvores. Como todo boteco, é aberto, sem portarias ou entradas. “Dificilmente você encontra um dia sem bom movimento”, diz Christian Palmute, da área de marketing do boteco.

O lugar é frequentado basicamente por jovens querendo azarar, famílias curtindo um dia de folga, pessoas que precisam relaxar depois de um dia estafante de trabalho. E, claro, gente que gosta de futebol. “Os dias de jogos aqui são bem movimentados. A galera torce como se estivesse na arquibancada, especialmente em dia de jogo com time paulista”, garante Samuel Oliveira, o ocupado gerente de operações do lugar.

O São Bento é um exemplo da nova geração de botecos há alguns anos presente nas grandes cidades. Sem o rigor comportamental do restaurante e sem a zoeira do bar, os botecos vêm ganhando a simpatia dos que gostam de curtir um happy hour.

Não tem música alta repetitiva nem luzes piscando irritantemente, assim a conversa flui mais fácil. Alguns têm sinuca e musiquinha ambiente, o que torna o ambiente mais agradável. De vez em quando rola um jogo na tv... Ah, cara, nem se compara”. É o que diz Rafael Montenegro, assistente administrativo, quando perguntado por que o boteco é o melhor lugar para se divertir. “Toda sexta-feira estou lá. Só não vou se estiver muito ocupado ou doente de cama”.

Já Rodolfo Pazanelli destaca os comes e bebes: “A bebida nos botecos é mais barata, e a comida costuma ser maravilhosa”. Outra característica dos novos botecos: o ovo colorido na estufa e a salsicha nadando no molho deram lugar a pratos elaborados, cuidadosamente preparados para fazer valer a pena uma esticadinha antes da volta para casa.

O São Bento, por exemplo, oferece cerca de 50 pratos, desde as tradicionais porções até refeições completas. A Costela do Pecado, um dos mais pedidos, vem com a costela assada lentamente, em papel alumínio, temperada com sal e condimentos, junto com mandioca frita e salsinha jogada por cima. Um estrondo. Assada assim, a gordura combina com a carne e não dá a sensação de que se está comendo carne com sebo.

Claro, num bom boteco não pode faltar o bolinho de bacalhau, feito com batata do tipo Asterix (aquela de casca rosada, mais seca do que as tradicionais), azeite, bacalhau dessalgado e desfiado, alho, pimenta do reino e salsinha a gosto. Um picadinho também cai bem: 1 kg de alcatra ou coxão mole em cubinho de 3 cm, cebola, alho, tomate, folhas de louro, pimenta-do-reino, salsinha e cebolinha – além do pãozinho que, no fim, será traçado com o molho que sobra.

Também não se pode esquecer das bebidas. A caipirinha de uva itália, roxa, terrivelmente atraente, com cachaça, pedaços de lichia e picolé de uva. A Bronzeado: vermelha, leva framboesa, abacaxi, lichia e picolé de lichia. E a de manga, que leva a fruta, picolé da fruta e um ingrediente curioso: pimenta dedo de moça. Ainda assim, é refrescante.

Em alguns lugares, as guloseimas são complementadas com música ao vivo. É o caso do Dona Flor, em Moema. Todo dia, bandas de diferentes estilos musicais – pop, rock, MPB, samba – se revezam para levar aos clientes, além de gostos, ambientes diversos. Num dia você vai e come bolinho de bacalhau ouvindo músicas de Caetano Veloso. No outro, manda ver um picadinho ao som de Capital Inicial.

Há quem substitua baladas por noites inteiras no boteco. “Numa boite a chance de encarar um bêbado vomitando no seu pé é grande. No boteco, isso raramente acontece”, comenta o publicitário Leandro Nunes. No máximo, você pode ficar chateado com o erro de um jogador brasileiro – foi o que aconteceu no jogo da Liga, quando, aos 45 do segundo tempo, o goleiro da Inter Júlio César rebateu uma bola no pé do atacante Mário Gomez. O Bayern venceu por 1 a 0. Mas ainda tem o segundo jogo. Vai ser com bolinho de bacalhau de novo?