Como um ex-consultor de empresas se tornou um grande nome do
buffet de alta gastronomia
Vinícius tinha apenas quatro
maletas para escolher. Estava com a 17. 1 + 7 = 8, seu número de
sorte. Uma das maletas restantes era exatamente a 8, o seu número
sem precisar fazer conta. Três malas tinham valor pequeno. A outra,
tinha R$ 750 mil. Havia o negociador, que poderia livrá-lo de um
mico ou tirar-lhe uma boa bolada. E havia Roberto Justus, o
timoneiro, comandando danças, histórias e cifras. O negociador
ofereceu R$ 99.999 em troca da maleta 17. Vinícius topou.
Quando criança, o pequeno Vini
fez grandes obras: jogou tinta na caixa d'água da vizinha da casa de
praia e botou fogo em um depósito de papel durante a Copa do Mundo
de 1990, fatos que causaram imensa vergonha a seu pai. Na época de
faculdade, fez um happy hour com amigos de sala na companhia
de um belo bife à milanesa devidamente guardado no bolso da calça –
feito pela mãe de um colega, estava tão bom que quis guardar para
depois.
Vinícius Rojo, 34 anos,
trabalha com catering, serviço
de produção e entrega de alimentos, na empresa batizada com o seu
sobrenome. Esqueça empadinhas, esfihas e coxinhas tradicionais.
Vinícius lida com algo que hoje, e cada vez mais, deixa de ser um
mero serviço para se tornar uma arte: a alta gastronomia.
“A comida tem que cercar a
pessoa nos cinco sentidos. Não dá mais para considerar apenas o
cheiro e o gosto”, diz. E a comida não deve só dar conta dos
sentidos. Os sentimentos também entram na história. “Por isso,
gosto de brincar com as surpresas”. Entre as excentricidades, ele
já criou pirulitos de cordeiro com chocolate, croque monsieur
com chantilly de gruyére ao perfume de trufas, e um drink de
boas vindas de esférico de curaçao blue com hi-fi.
Para um leigo, essas combinações
podem parecer impensáveis. Mas basta a primeira mordida para
qualquer um mudar de ideia rapidinho. E como acontece a alquimia de
certos ingredientes, à princípio impossíveis de se juntar,
combinarem num mesmo prato? “Tem coisas que o chef sabe que vão
harmonizar – a experiência na cozinha ajuda nesse acerto. Mas há
ingredientes que exigem alguns testes”. Como na vida, a arte de
cozinhar é permeada por vivências e riscos.
Vinícius viaja muito em busca
de novas experiências gastronômicas. “Até o ano passado, investi
tudo que ganhei para conhecer meus chefs ídolos pessoalmente, e
experimentar a comida deles”. Já visitou Inglaterra, França,
Itália, Japão e Espanha. E já esteve no El Bulli – do catalão
Ferrán Adrià, considerado um dos melhores chefs do mundo, onde um
pedido de reserva de mesa pode demorar um ano para se confirmar.
Também esteve no inglês The Fat Duck, do não menos conhecido
Heston Blumenthal, protagonista da série de TV “À Procura da
Perfeição”.
Embora a alta gastronomia
brasileira tenha melhorado nos últimos anos, é necessário para um
chef daqui buscar referências em outros países. “Nossa cozinha
ainda é incipiente. Lá fora, os grandes restaurantes têm
laboratórios de estudo, reservados especificamente para elaboração
de novos pratos. Por isso, eles conseguem produzir comidas e
desenvolver técnicas realmente especiais”, diz Vinícius. Na Rojo,
como não tem sócio, ele divide o tempo que usa nas buscas por
novidades gastronômicas com questões de contabilidade, marketing,
controle de custos, prospecção de clientes e logística de eventos.
Nem sempre ele pensou em
trabalhar com gastronomia. De família classe média, Vinícius e
seus três irmãos estudaram em boas escolas. Seguindo influência do
pai, bancário, se formou em administração na FAAP – ele próprio
bancava as mensalidades com os estágios que começou a fazer logo no
primeiro semestre. Ocupou o cargo de analista financeiro e, aos 21
anos, representou a empresa onde trabalhava em outras cidades,
chegando a morar um período em Brasília.
Mas, num determinado momento,
percebeu que não era aquilo o que queria fazer. “Mesmo bem
encaminhado, senti que tinha de mudar o rumo da minha vida”,
lembra. Pediu as contas no emprego, voltou para São Paulo (e para
casa do pai) e foi caçar o que fazer.
Passou alguns meses pesquisando,
até que, em 2004, fundou o Bun Café, especializado em cafés
especiais. Passou a organizar o buffet de eventos, o que
começou a ocorrer com certa frequência. Pegou a manha e o gosto
pela coisa, fez cursos de gastronomia, até que, em 2007, depois do
fechamento do café, percebendo boas oportunidades na área de
catering, raspou o fundo do tacho financeiro e abriu a Rojo
Criatividade Gourmet. “Fui juntando cada centavo de onde vinha
dinheiro. Meu padrão de vida caiu muito, mas era isso o que eu
queria fazer na vida”.
Com um bom know-how e
alguns cursos na área, a Rojo foi crescendo passo a passo, mas ainda
precisava de um grande pulo, principalmente em estrutura. Vinícius
tinha a vontade, só faltava a grana. E foi que, de repente, Roberto
Justus e suas maletas milionárias apareceram em sua vida, e ele foi
chamado para participar do programa Topa Ou Não Topa, do SBT.
Vinícius aceitou a proposta do
negociador, e fez bem. A maleta 17, que estava com ele, tinha míseros
50 centavos, o suficiente para comprar um lápis e fazer uma
cozinha... de desenho. Levou os R$ 100 mil, com os quais montou a
estrutura que tanto queria. Assim, o menino que jogou tinta na caixa
d'água da vizinha, o jovem que andou com um bife à milanesa no
bolso e o ex-consultor de empresas que já esteve enfurnado em
relatórios e estatísticas corporativas, fazia a Rojo crescer, com
todos os equipamentos profissionais necessários a uma cozinha
profissional.
“Foi o melhor estagiário que
já tive, com uma sensibilidade incrível para gostos. Poucas vezes
vi alguém com tanta habilidade para lidar com a psicologia do sabor
como o Vinícius”. O mestre Murakami, chef do Kinoshita, um dos
restaurantes mais tradicionais de comida japonesa em São Paulo, só
guarda boas lembranças do ex-estagiário, que esteve lá por cerca
de um mês para pegar influências asiáticas contemporâneas. “E é
uma pessoa muito especial. Talentoso e gente fina”. Vinícius
também passou pelo D.O.M., do rigoroso e premiado Alex Atala.
Sempre que pode, ele passa um
tempo estagiando em cozinhas de grandes chefs. “É bom conhecer
outros ambientes e diferentes metodologias de trabalho”. Ano
passado, quase passou um tempo com Juan Mari Arzak, cujo restaurante
ganhou 3 estrelas no guia Michelan, e onde Vinícius teve o melhor
jantar de sua vida - “Só perde para a comida da minha vovó
Mafalda!”. Por conta da mudança de sua cozinha, teve de adiar o
estágio, que será feito em julho deste ano.
Atualmente, produz delícias
para festas de casamentos e importantes eventos de grandes empresas
como bancos e montadoras de automóveis, e é um dos buffets
credenciados no GP Brasil de Fórmula 1. “Hoje trabalho mais do que
quando pertencia ao mundo corporativo, mas tenho muito mais prazer no
que faço”.
Vinícius tenta preservar o
melhor ambiente possível na Rojo, escapando do insalubre esquema de
trabalho de uma cozinha, onde, quase sempre, trabalha-se em
temperaturas altíssimas, temperadas com a pressão de sair tudo
gostoso, com higiene e em perfeita harmonia. E, sim, uma cozinha
funciona com a disciplina de um quartel. Mas a estupidez deve passar
longe. “Sou rígido e exigente, mas faço o possível para que nada
aqui seja levado para o lado pessoal”.
A preparação de um banquete
funciona como num jogo de futebol: adrenalina e eficiência devem
andar de mãos dadas. E, durante um jogo, não dá para pedir por
favor a um lateral para avançar um pouquinho mais, tão pouco pedir
ao volante que, por gentileza, ajude na marcação. “Às vezes
escapa um palavrão, mas nada que parta para ignorância”.
Para amenizar o efeito do
estresse, Vinícius contratou um professor de ioga que irá aliviar
mentes e músculos dos funcionários da Rojo. Também procura
investir no conhecimento da equipe: num evento de gastronomia à que
foi assistir em Madrid, levou consigo o chef de cozinha da Rojo,
Marcus Pompeu. “Esse cuidado é importante. Assim, você consegue o
respeito de sua equipe, sem implantar uma política de medo e
autoritarismo”. Vinícius dá o exemplo de Gordon Ramsay, do Hell's
Kitchen, chef reconhecido e competente, e que costuma ter verdadeiros
ataques quando algo não sai do jeito que ele quer – incluindo aí
pratos quebrados e panelas voadoras.
Mas ele não entra nessa pilha.
E os resultados aparecem dentro e fora do buffet. A chef carioca
Andrea Rodrigues, em seu blog, fez o seguinte comentário, falando
sobre o 3º Congresso Internacional de Gastronomia de São Paulo: “O
almoço foi oferecido pelo chef Vinícius Rojo e seu Buffet, Rojo
Criatividade Gourmet. Foi o único que fiz questão de colocar aqui
porque o cara é bacana; uma pessoa tranquila passeando pelo buffet
com toda simplicidade que um chef deveria ter. Não falo daquela
falsa simplicidade, mas sim da verdadeira, coisa que a maioria desses
que estão na mídia - não necessariamente, né? - não tem...”.
www.rojo.art.br
Vinicius com a mão nos legumes - e ele também faz massa.
Foto: Marcos Multi