terça-feira, 29 de maio de 2012

Mais Texto! Mais História! Mais Tudo!!!


Vale Tudo – O Som a a Fúria de Tim Maia, biografia do cantor com mais fama de reclamão da história, saiu em 2006, mas é daquela classe de livros cuja qualidade e importância pode ser reconhecida para todo o sempre. Nelson Motta, grande conhecedor de música e amigo do cara, conseguiu colocar no papel os vários meandros da vida do “gordinho mais simpático do Brasil”, com direito aos “palavrões” a que Tim teve direito e a histórias saborosas que o próprio Tim, glutão confesso, devoraria com prazer.

Tim, com o tempo, ganhou uma imagem caricata a respeito de sua personalidade – quem não conhece a história em que Tim sempre atrasava em shows, isso quando ia? Mas a biografia mostra que há muito a se saber. Nele, está a relação musical de Tim com dois outros monstros da arte: Roberto e Erasmo Carlos; as aventuras dele em terras americanas – e a sua não muito simpática volta à terra natal; sua relação com o Universo em Desencanto, que se transformaria em desencanto em breve; suas brigas por qualidade de som numa época em que a produção brasileira ainda apanhava um bocado; seu envolvimento em enrascadas, algumas das quais só entrando por ter fama de encrenqueiro.

Sem paternalizar nem proteger, Motta conta um Tim pouco conhecido por quem não conviveu com ele. Que era louco, intenso, colecionador de manias, isso ele cultivava com gosto. Só que Tim não se resumia a confusão. Seu talento musical, seu ouvido sensível e treinado, seu interesse em pescar novidades... Tudo isso movimentou a música brasileira, e gerou grandes frutos colhidos até hoje.

Os frutos de Tim, inclusive, impediram que o livro fosse editado antes. Ideia antiga de Motta, a biografia esperou a definição, na Justiça, de quem era o dono do espólio do cantor, disputado por parentes e credores do cantor. Somente após a decisão – Carmelo, único filho de sangue de Tim, ganhou a parada – é que a biografia pode ser lançada. E Sebastião Rodrigues Maia veio à tona...

Pequenos problemas na revisão não impedem que a leitura do livro seja divertida. Motta usa adequadamente o humor para falar de um cara que, até na fase Racional, não perdia a piada. Sem contar que o livro traz boa parte da história musical brasileira recente. Se Tim estivesse vivo, após ler o livro, gritaria: “MAIS TEXTO! MAIS HISTÓRIA! MAIS TUDO!!!”.

P.S.: recentemente, foram lançadas uma caixa com todos os álbuns de Tim e uma coleção comprada em bancas de jornais. Se conseguir, compre, para ontem.


Título: Vale Tudo – O Som E A Fúria De Tim Maia
Autor: Nelson Motta
Editora: Objetiva
Páginas: 392
Preço médio: R$ 56,90

domingo, 27 de maio de 2012

Happy Hour Geração Y


Nada de ovos coloridos: a vida nos botecos agora tem sabor especial

Dia 22 de fevereiro de 2011. Internazionale de Milão e Bayern de Munique jogam a partida de ida das oitavas de final da Liga dos Campeões da Europa. O jogo tem vários temperos: é uma repetição da final passada, em que a Inter bateu o time alemão por 2 a 0; são dois timaços – Eto'o, Milito, Sneider e Júlio César de um lado, Robben, Gomez e Schweinsteiger do outro; e é o confronto de dois dos times mais importantes do mundo.

Um belo programa para se ver em casa. Mas, que tal assistir à partida num boteco? “No trabalho seria uma correria e em casa não tem muita graça. Aproveitei o tempo livre para ver o jogo aqui”, diz o consultor econômico Alfredo Bastia Junior, que assistiu à partida acompanhado de uma porção de bolinho de bacalhau. “É muito mais legal ver aqui. Só o bolinho já é suficiente para dar um gosto especial ao futebol”.

Esse “aqui” de que Alfredo fala é o Boteco São Bento, no bairro do Itaim. Inaugurado em 2007, faz sucesso desde o início. Com três ambientes, um deles ao ar livre, é enfeitado ao centro com duas árvores. Como todo boteco, é aberto, sem portarias ou entradas. “Dificilmente você encontra um dia sem bom movimento”, diz Christian Palmute, da área de marketing do boteco.

O lugar é frequentado basicamente por jovens querendo azarar, famílias curtindo um dia de folga, pessoas que precisam relaxar depois de um dia estafante de trabalho. E, claro, gente que gosta de futebol. “Os dias de jogos aqui são bem movimentados. A galera torce como se estivesse na arquibancada, especialmente em dia de jogo com time paulista”, garante Samuel Oliveira, o ocupado gerente de operações do lugar.

O São Bento é um exemplo da nova geração de botecos há alguns anos presente nas grandes cidades. Sem o rigor comportamental do restaurante e sem a zoeira do bar, os botecos vêm ganhando a simpatia dos que gostam de curtir um happy hour.

Não tem música alta repetitiva nem luzes piscando irritantemente, assim a conversa flui mais fácil. Alguns têm sinuca e musiquinha ambiente, o que torna o ambiente mais agradável. De vez em quando rola um jogo na tv... Ah, cara, nem se compara”. É o que diz Rafael Montenegro, assistente administrativo, quando perguntado por que o boteco é o melhor lugar para se divertir. “Toda sexta-feira estou lá. Só não vou se estiver muito ocupado ou doente de cama”.

Já Rodolfo Pazanelli destaca os comes e bebes: “A bebida nos botecos é mais barata, e a comida costuma ser maravilhosa”. Outra característica dos novos botecos: o ovo colorido na estufa e a salsicha nadando no molho deram lugar a pratos elaborados, cuidadosamente preparados para fazer valer a pena uma esticadinha antes da volta para casa.

O São Bento, por exemplo, oferece cerca de 50 pratos, desde as tradicionais porções até refeições completas. A Costela do Pecado, um dos mais pedidos, vem com a costela assada lentamente, em papel alumínio, temperada com sal e condimentos, junto com mandioca frita e salsinha jogada por cima. Um estrondo. Assada assim, a gordura combina com a carne e não dá a sensação de que se está comendo carne com sebo.

Claro, num bom boteco não pode faltar o bolinho de bacalhau, feito com batata do tipo Asterix (aquela de casca rosada, mais seca do que as tradicionais), azeite, bacalhau dessalgado e desfiado, alho, pimenta do reino e salsinha a gosto. Um picadinho também cai bem: 1 kg de alcatra ou coxão mole em cubinho de 3 cm, cebola, alho, tomate, folhas de louro, pimenta-do-reino, salsinha e cebolinha – além do pãozinho que, no fim, será traçado com o molho que sobra.

Também não se pode esquecer das bebidas. A caipirinha de uva itália, roxa, terrivelmente atraente, com cachaça, pedaços de lichia e picolé de uva. A Bronzeado: vermelha, leva framboesa, abacaxi, lichia e picolé de lichia. E a de manga, que leva a fruta, picolé da fruta e um ingrediente curioso: pimenta dedo de moça. Ainda assim, é refrescante.

Em alguns lugares, as guloseimas são complementadas com música ao vivo. É o caso do Dona Flor, em Moema. Todo dia, bandas de diferentes estilos musicais – pop, rock, MPB, samba – se revezam para levar aos clientes, além de gostos, ambientes diversos. Num dia você vai e come bolinho de bacalhau ouvindo músicas de Caetano Veloso. No outro, manda ver um picadinho ao som de Capital Inicial.

Há quem substitua baladas por noites inteiras no boteco. “Numa boite a chance de encarar um bêbado vomitando no seu pé é grande. No boteco, isso raramente acontece”, comenta o publicitário Leandro Nunes. No máximo, você pode ficar chateado com o erro de um jogador brasileiro – foi o que aconteceu no jogo da Liga, quando, aos 45 do segundo tempo, o goleiro da Inter Júlio César rebateu uma bola no pé do atacante Mário Gomez. O Bayern venceu por 1 a 0. Mas ainda tem o segundo jogo. Vai ser com bolinho de bacalhau de novo?


segunda-feira, 21 de maio de 2012

Uma Metrópole Gastronômica


Ponto de parada obrigatório para turistas do mundo inteiro, o Mercado Municipal de São Paulo é um dos mais tradicionais redutos da boa culinária
 
Você está andando pelas ruas estreitas e organizadas do Mercado Municipal de São Paulo. De repente, se depara com um cesto de rambutãs. Essa fruta malaia, prima da lichia, com formato de uma mamona gigante vermelha, por dentro parecida com uma uva sem casca de caroço grande, é bem diferente do que se encontra em feiras livres por aí. Mas basta pedir a Alfredo Barreto, dono da banca Casa Gonzales, para experimentar. Seu sabor, entre o doce e o amargo, acaba com qualquer estranheza.

A banca, especializada em frutas exóticas, também vende mangostão – também da Malásia, doce médio, tem uma casca grossa (mas não dura) e tem por dentro a forma de uma cabeça de alho; a pitaia, do deserto do Atacama, no Chile – vermelha ou amarela, parece embrulhada em papel camurça; e um morango americano gigantesco e vermelho como sangue.

Na barraca da frente, a Banca do Juca (que ganhou fama na novela “A Próxima Vítima”, de Sílvio de Abreu) o simpático e galanteador Leonardo vai lhe mostrar a melancia branca. Igualzinha à tradicional, é um pouco menos aguada e, como já diz o nome, albina por dentro. Ao vê-la, não perca a oportunidade de levar: é cultivada apenas em poucas épocas do ano. E que tal levar uma fruta pão? Cozida por dez minutos, fica uma delícia com manteiga, tal como o pão francês da padaria da esquina.

Caso queira incrementar ainda mais a comida, é indispensável uma parada no G. Frederico para comprar um dos mais de 300 tipos de temperos encontrados lá. Tem casca de limão e de laranja em saquinhos, secas e em floquinhos – podem ser usadas tanto em pratos doces quanto em salgados. Há ainda o forte lemon & pepper, que deve ser usado com moderação.

Esse é só um couvert das possibilidades do Mercado Municipal de São Paulo, que, desde 25 de janeiro de 1933, enche as mesas e as barrigas de paulistanos e turistas. Obra do escritório de Francisco Ramos de Azevedo, também responsável pelo Teatro Municipal de São Paulo, a construção encanta desde a entrada. Vizinho do córrego Tamanduateí, da rua 25 de março e do terminal de ônibus Parque Dom Pedro II, o prédio bege de estilo neoclássico ocupa 12.600 metros quadrados. Atualmente, 350 toneladas de alimentos são movimentadas nos 290 boxes do Mercadão, nome pelo qual também é conhecido.

Os números portentosos superam períodos de dificuldades. O Mercadão, inclusive, já esteve a perigo. Após pequenas reformas na década de 60, chegou aos anos 70 sem dar conta da já imensa população de São Paulo. Em 1973, com a criação do Ceasa e o início do processo de degradação daquela região do centro da cidade, cogitou-se até a demolição do prédio. Felizmente, a ideia não seguiu adiante e o mercado ficou de pé. Depois de uma grande reforma em 2004, o Mercado Municipal se modernizou, inclusive ganhando um mezanino com bares e lanchonetes. E hoje, mais do que vender comida, o endereço virou importante ponto turístico da maior metrópole do Brasil.


“Vim do Rio de Janeiro a passeio e vou ficar o dia todo. Quero conhecer cada pedaço do Mercadão”, diz a dona de casa Gisélia Nascimento. Ela aproveitou para levar a irmã, a assistente social Izabel Nascimento, que, apesar de morar em São Paulo, nunca havia visitado o lugar. “Sempre vi em reportagens e fotos, mas nunca pensei que fosse tão bonito, por dentro e por fora”. Além de ver, as irmãs, obviamente, querem sentir. “Claro, queremos provar o pastel de bacalhau e o sanduíche de mortadela”.

O sanduichão tem 250 g de mortadela, 50 g de queijo prato e 20 g de tomate seco, tudo dentro de um pão fresquinho e crocante. À primeira vista, assusta pela quantidade de mortadela, que estufa as duas metades do pão. Mas é tão bonito, com o queijo derretido passeando entre as várias fatias, que logo o susto passa. O cheiro complementa a vontade de qualquer pessoa em devorar o lanche. E, na primeira mordida, percebem-se todos os ingredientes em harmonia, sem o gosto enjoativo de excesso de mortadela que o susto inicial pode passar.

“Cada detalhe é bem cuidado, assim o lanche fica tão especial. A mortadela e o queijo são cortados na hora de fazer o sanduichão e usamos gordura vegetal a 180 graus em vez do óleo convencional”, diz Jaciel Pereira, gerente de produção do Hocca Bar, que inventou o lanche que desde 1952 encanta os paladares dos visitantes do Mercadão. Ah, e nada de congelar a mortadela – as peças ficam fora da geladeira, até porque não dá nem tempo de fazer estoque.

Pereira não se arriscou a chutar quantos sanduíches de mortadela são feitos por dia nas três lanchonetes do Hocca Bar no Mercadão. “Tudo o que sei é que, em dias de movimento médio, usamos 30 peças de sete quilos. Em dias de movimento forte, chegamos a usar 50 peças”. Fazendo os cálculos, podemos chegar à impressionante marca de 1.400 lanches e 350 quilos de mortadela, num dia de boa frequência.

O não menos conhecido pastel de bacalhau é feito com o mesmo zelo. A receita leva grande quantidade de carne desfiada do peixe, salsinha, cebola e azeite, produtos que, juntos, bem preparados, acabam com qualquer dieta. “Tudo tem que ter gosto. A gordura vegetal ajuda a massa a ficar sequinha, então nada atrapalha o sabor dos condimentos”, explica Pereira. Ele revela sem problemas o seu toque especial: o azeite. “Cada item do lanche e do pastel é bem cuidado, mas é o azeite que dá a liga”.
 
Pereira só se esquece de falar do que talvez seja o maior trunfo do lugar: ele próprio. Jaciel tem paixão pelo que faz. Organiza um exército de cozinheiros, controla a qualidade dos produtos e atende jornalistas e curiosos em geral. E é capaz de deixar qualquer um com fome só com as explicações que dá sobre as comidas que o Hocca vende e as formas de preparo. Como um mágico que tira coelhos da cartola, ele tira sabores das palavras.

“Eu falo para todo mundo aqui: você tem de cercar o cliente com os cinco sentidos. Não basta ele sentir o cheiro e o sabor. O visual é importantíssimo, é o primeiro contato que ele tem com a comida”. Isso só não funciona para ele. Jaciel não come nada do que serve fora do horário de expediente. O prato preferido dele? Peixe assado e arroz com legumes. Sanduíche e pastel, só quando precisa fazer controle de qualidade do Hocca.
O Mercado da Cantareira, seu outro nome oficial, virou uma metrópole gastronômica dentro de São Paulo. Como acontece com qualquer grande cidade, chama a atenção com a intensidade da força gravitacional. “Não fico uma semana sem ir lá. Mesmo se eu não tiver nada para comprar, vou só para passear”, diz Maria Sampaio, dona de casa que compra 90% dos produtos consumidos em seu lar no Mercadão. “Virou quase um hábito. E vale a pena. Toda vez que vou lá, descubro algo”.

Mas, afinal de contas, o que torna o Mercadão uma verdadeira instituição? É o prédio encantador? São funcionários como Alfredo e Leonardo, que atendem qualquer pessoa com amizade de infância? São os produtos que parecem surgir ali e em nenhum outro lugar no mundo? Jaciel e sua saborosa descrição? As comidas destruidoras de regime? Possivelmente são todos esses elementos juntos. Assim como no sanduichão e no pastel de bacalhau, a soma dos elementos faz o todo ser especial.

Especial e intocável. Em 2010, depois de anos de discussão sobre o que fazer, a Prefeitura de São Paulo determinou o futuro dos edifícios vizinhos do Mercadão, São Vito, o popular Treme-Treme, e Mercúrio. Bem danificados, com uma reforma que custaria uma fortuna e com planos de construção de um parque no lugar, a solução encontrada foi a demolição. Tudo certo, até que surge o problema: as implosões poderiam trincar os belos vitrais do mercado. O que fazer? Simples: nada vai danificar a aparência do Mercadão. O Treme-Treme está sendo demolido marretada por marretada. O parque que espere.

Delícias do Mercadão. Foto: www.diversalia.com.br

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Um Alquimista Dos Banquetes

Como um ex-consultor de empresas se tornou um grande nome do buffet de alta gastronomia

Vinícius tinha apenas quatro maletas para escolher. Estava com a 17. 1 + 7 = 8, seu número de sorte. Uma das maletas restantes era exatamente a 8, o seu número sem precisar fazer conta. Três malas tinham valor pequeno. A outra, tinha R$ 750 mil. Havia o negociador, que poderia livrá-lo de um mico ou tirar-lhe uma boa bolada. E havia Roberto Justus, o timoneiro, comandando danças, histórias e cifras. O negociador ofereceu R$ 99.999 em troca da maleta 17. Vinícius topou.

Quando criança, o pequeno Vini fez grandes obras: jogou tinta na caixa d'água da vizinha da casa de praia e botou fogo em um depósito de papel durante a Copa do Mundo de 1990, fatos que causaram imensa vergonha a seu pai. Na época de faculdade, fez um happy hour com amigos de sala na companhia de um belo bife à milanesa devidamente guardado no bolso da calça – feito pela mãe de um colega, estava tão bom que quis guardar para depois.

Vinícius Rojo, 34 anos, trabalha com catering, serviço de produção e entrega de alimentos, na empresa batizada com o seu sobrenome. Esqueça empadinhas, esfihas e coxinhas tradicionais. Vinícius lida com algo que hoje, e cada vez mais, deixa de ser um mero serviço para se tornar uma arte: a alta gastronomia.

A comida tem que cercar a pessoa nos cinco sentidos. Não dá mais para considerar apenas o cheiro e o gosto”, diz. E a comida não deve só dar conta dos sentidos. Os sentimentos também entram na história. “Por isso, gosto de brincar com as surpresas”. Entre as excentricidades, ele já criou pirulitos de cordeiro com chocolate, croque monsieur com chantilly de gruyére ao perfume de trufas, e um drink de boas vindas de esférico de curaçao blue com hi-fi.

Para um leigo, essas combinações podem parecer impensáveis. Mas basta a primeira mordida para qualquer um mudar de ideia rapidinho. E como acontece a alquimia de certos ingredientes, à princípio impossíveis de se juntar, combinarem num mesmo prato? “Tem coisas que o chef sabe que vão harmonizar – a experiência na cozinha ajuda nesse acerto. Mas há ingredientes que exigem alguns testes”. Como na vida, a arte de cozinhar é permeada por vivências e riscos.

Vinícius viaja muito em busca de novas experiências gastronômicas. “Até o ano passado, investi tudo que ganhei para conhecer meus chefs ídolos pessoalmente, e experimentar a comida deles”. Já visitou Inglaterra, França, Itália, Japão e Espanha. E já esteve no El Bulli – do catalão Ferrán Adrià, considerado um dos melhores chefs do mundo, onde um pedido de reserva de mesa pode demorar um ano para se confirmar. Também esteve no inglês The Fat Duck, do não menos conhecido Heston Blumenthal, protagonista da série de TV “À Procura da Perfeição”.

Embora a alta gastronomia brasileira tenha melhorado nos últimos anos, é necessário para um chef daqui buscar referências em outros países. “Nossa cozinha ainda é incipiente. Lá fora, os grandes restaurantes têm laboratórios de estudo, reservados especificamente para elaboração de novos pratos. Por isso, eles conseguem produzir comidas e desenvolver técnicas realmente especiais”, diz Vinícius. Na Rojo, como não tem sócio, ele divide o tempo que usa nas buscas por novidades gastronômicas com questões de contabilidade, marketing, controle de custos, prospecção de clientes e logística de eventos.

Nem sempre ele pensou em trabalhar com gastronomia. De família classe média, Vinícius e seus três irmãos estudaram em boas escolas. Seguindo influência do pai, bancário, se formou em administração na FAAP – ele próprio bancava as mensalidades com os estágios que começou a fazer logo no primeiro semestre. Ocupou o cargo de analista financeiro e, aos 21 anos, representou a empresa onde trabalhava em outras cidades, chegando a morar um período em Brasília.

Mas, num determinado momento, percebeu que não era aquilo o que queria fazer. “Mesmo bem encaminhado, senti que tinha de mudar o rumo da minha vida”, lembra. Pediu as contas no emprego, voltou para São Paulo (e para casa do pai) e foi caçar o que fazer.

Passou alguns meses pesquisando, até que, em 2004, fundou o Bun Café, especializado em cafés especiais. Passou a organizar o buffet de eventos, o que começou a ocorrer com certa frequência. Pegou a manha e o gosto pela coisa, fez cursos de gastronomia, até que, em 2007, depois do fechamento do café, percebendo boas oportunidades na área de catering, raspou o fundo do tacho financeiro e abriu a Rojo Criatividade Gourmet. “Fui juntando cada centavo de onde vinha dinheiro. Meu padrão de vida caiu muito, mas era isso o que eu queria fazer na vida”.

Com um bom know-how e alguns cursos na área, a Rojo foi crescendo passo a passo, mas ainda precisava de um grande pulo, principalmente em estrutura. Vinícius tinha a vontade, só faltava a grana. E foi que, de repente, Roberto Justus e suas maletas milionárias apareceram em sua vida, e ele foi chamado para participar do programa Topa Ou Não Topa, do SBT. 
 
Vinícius aceitou a proposta do negociador, e fez bem. A maleta 17, que estava com ele, tinha míseros 50 centavos, o suficiente para comprar um lápis e fazer uma cozinha... de desenho. Levou os R$ 100 mil, com os quais montou a estrutura que tanto queria. Assim, o menino que jogou tinta na caixa d'água da vizinha, o jovem que andou com um bife à milanesa no bolso e o ex-consultor de empresas que já esteve enfurnado em relatórios e estatísticas corporativas, fazia a Rojo crescer, com todos os equipamentos profissionais necessários a uma cozinha profissional.

Foi o melhor estagiário que já tive, com uma sensibilidade incrível para gostos. Poucas vezes vi alguém com tanta habilidade para lidar com a psicologia do sabor como o Vinícius”. O mestre Murakami, chef do Kinoshita, um dos restaurantes mais tradicionais de comida japonesa em São Paulo, só guarda boas lembranças do ex-estagiário, que esteve lá por cerca de um mês para pegar influências asiáticas contemporâneas. “E é uma pessoa muito especial. Talentoso e gente fina”. Vinícius também passou pelo D.O.M., do rigoroso e premiado Alex Atala.

Sempre que pode, ele passa um tempo estagiando em cozinhas de grandes chefs. “É bom conhecer outros ambientes e diferentes metodologias de trabalho”. Ano passado, quase passou um tempo com Juan Mari Arzak, cujo restaurante ganhou 3 estrelas no guia Michelan, e onde Vinícius teve o melhor jantar de sua vida - “Só perde para a comida da minha vovó Mafalda!”. Por conta da mudança de sua cozinha, teve de adiar o estágio, que será feito em julho deste ano.

Atualmente, produz delícias para festas de casamentos e importantes eventos de grandes empresas como bancos e montadoras de automóveis, e é um dos buffets credenciados no GP Brasil de Fórmula 1. “Hoje trabalho mais do que quando pertencia ao mundo corporativo, mas tenho muito mais prazer no que faço”.

Vinícius tenta preservar o melhor ambiente possível na Rojo, escapando do insalubre esquema de trabalho de uma cozinha, onde, quase sempre, trabalha-se em temperaturas altíssimas, temperadas com a pressão de sair tudo gostoso, com higiene e em perfeita harmonia. E, sim, uma cozinha funciona com a disciplina de um quartel. Mas a estupidez deve passar longe. “Sou rígido e exigente, mas faço o possível para que nada aqui seja levado para o lado pessoal”.

A preparação de um banquete funciona como num jogo de futebol: adrenalina e eficiência devem andar de mãos dadas. E, durante um jogo, não dá para pedir por favor a um lateral para avançar um pouquinho mais, tão pouco pedir ao volante que, por gentileza, ajude na marcação. “Às vezes escapa um palavrão, mas nada que parta para ignorância”.

Para amenizar o efeito do estresse, Vinícius contratou um professor de ioga que irá aliviar mentes e músculos dos funcionários da Rojo. Também procura investir no conhecimento da equipe: num evento de gastronomia à que foi assistir em Madrid, levou consigo o chef de cozinha da Rojo, Marcus Pompeu. “Esse cuidado é importante. Assim, você consegue o respeito de sua equipe, sem implantar uma política de medo e autoritarismo”. Vinícius dá o exemplo de Gordon Ramsay, do Hell's Kitchen, chef reconhecido e competente, e que costuma ter verdadeiros ataques quando algo não sai do jeito que ele quer – incluindo aí pratos quebrados e panelas voadoras.

Mas ele não entra nessa pilha. E os resultados aparecem dentro e fora do buffet. A chef carioca Andrea Rodrigues, em seu blog, fez o seguinte comentário, falando sobre o 3º Congresso Internacional de Gastronomia de São Paulo: “O almoço foi oferecido pelo chef Vinícius Rojo e seu Buffet, Rojo Criatividade Gourmet. Foi o único que fiz questão de colocar aqui porque o cara é bacana; uma pessoa tranquila passeando pelo buffet com toda simplicidade que um chef deveria ter. Não falo daquela falsa simplicidade, mas sim da verdadeira, coisa que a maioria desses que estão na mídia - não necessariamente, né? - não tem...”.

www.rojo.art.br

 Vinicius com a mão nos legumes - e ele também faz massa.
Foto: Marcos Multi