quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Sobre Piadas E Topetes


Ela tem vontade de saber o que está por trás 
de um cabelo bem armado

“A mulher do português está à beira da morte e resolve confessar ao marido que o filho deles é de outro. Ele diz: 'Ora, pois, eu sempre soube'. Ela, surpresa: 'Mas como você sabia?'. O marido responde: 'Ué, Maria, quando nós estávamos na maternidade você me disse para ir trocar o menino, que estava todo cagado!'. Ele realmente trocou o bebê. Por outro”. Esta é a piada favorita de Wilma Nogueira Prats, e fica ainda mais engraçada para ela quando é Francisco Prats, seu marido, quem conta.

Casos desse tipo podem ser encontrados no livro “Wilma”, com a história de vida de... Wilma. Mas não adianta procurá-lo em livrarias, sebos e afins. A obra foi produzida por Regina Rapacci Magalhães, dona da Biografias & Profecias, editora que escreve livros sob encomenda, e não está a venda. Somente dois exemplares foram tirados – um está com Wilma; o outro, com Regina.

Com capa lilás, papel couché, 111 páginas, cheio de ilustrações e fotos, o livro mostra os melhores momentos da vida da senhora de 70 anos, descendente de dinamarqueses, que certa feita queimou o álbum de figurinhas dos filhos Douglas e Shalimar porque um tinha a figurinha especial e o outro não, fato que gerava uma guerra entre os dois.

“A produção do livro me fez saber histórias de que nunca tive conhecimento”, diz Douglas Prats, consultor de lideranças. De fala mansa e gestos discretos, Douglas conta que gostou da experiência. “Ter ouvido pela primeira vez a minha vó dizer que o nascimento da minha mãe foi o momento mais importante da vida dela foi impagável”. Dado numa reunião de família, com a presença do marido, dos filhos e dos netos, o presente não precisou de data especial para ser entregue. “Ele foi feito em reconhecimento por tudo que minha mãe fez à nossa família”.

À biografia de Wilma, seguiu-se a de José Antônio Preto, português ex-dono de padaria e ex-dono de posto de gasolina. Com o mesmo estilo do livro anterior, porém de capa preta, foi encomendado por Maurício Preto, filho de José, quando o pai completou 70 anos. “Tinha uma vontade imensa de homenageá-lo em vida, e o livro com a sua biografia foi perfeito”, diz Maurício, diretor de marketing de uma empresa de manutenção industrial.

Depois, vieram os livros sobre Mário César Araújo, ex-presidente de um grande grupo na área de telefonia – este um livro mais robusto, com 313 páginas, encomendado por sua filha Clarisse. “Eu tinha umas reportagens, umas fotos guardadas do meu pai, e queria organizar e fazer uma recordação para ele”, diz Clarisse; e Gilberto Garcia, gerente numa distribuidora de produtos para construção, encomendou um livro sobre os pais, Hélio e Mafalda, por ocasião da boda de ouro deles. “Gosto de registrar as coisas da família, achei que seria um presente inovador aos meus pais, e, ao mesmo tempo, estava resgatando a memória deles”. Todos os biografados só souberam da existência do livro no dia da entrega.

O livro de dona Wilma foi o primeiro de Regina. Tudo começou em 2006, depois de uma sequência de acontecimentos ruins. Em julho, a mãe, Maria de Lourdes Puccinelli Rapacci, morreu após sofrer de afecção dermatológica, doença cujo sintoma se dá com o surgimento de bolhas na pele que, quando explodem, deixam o lugar em carne viva. Em setembro, foi despedida do banco onde trabalhava como gestora do setor de televendas. Alegação do superior: era humana demais para trabalhar num banco. “Foi uma porrada atrás da outra. Fiquei com a alma à flor da pele”.

No mês seguinte, Regina iria se casar, mas estava perdida o suficiente para organizar a cerimônia. Foi aí que apareceu uma figura importante: a irmã mais velha, Ana Maria. “Ela acabou sendo minha mãe. Sem ela, o casamento não teria acontecido”. Em homenagem à irmã, ela escreveu um livro, baseado em diários que a mãe deixou sobre as duas.

Regina gostou, e resolveu que faria disso o seu trabalho. Começou o negócio sem nenhum tipo de estudo, ignorando a leitura de biografias e livros-reportagem – recentemente ela concluiu pós-graduação em Jornalismo Literário. “No começo eu não sabia direito que tipo de negócio era aquele, mas tive certeza de que queria fazer isso da vida”. Regina não queria ser ghost writer – tinha de ser algo que ela apurasse, sem abrir concessões, mas também evitando polêmicas e pontos desagradáveis. Por conta disso, todos os biografados ficaram satisfeitos com o resultado.

Douglas Prats foi o primeiro a receber uma proposta formal. A princípio, recusou. “Achei a proposta barata demais e mandei a Regina refazer”, lembra. Regina acatou a recomendação, mas o salto não foi tão grande: dos 3 mil reais iniciais, o livro de Wilma foi fechado por 4 mil. (Hoje, um livro custa entre 15 mil e 40 mil reais).

Uma equipe de freelancers faz o design e a revisão. A concepção, o texto, a parte de pesquisa histórica e a escolha de fotos é de Regina, junto com o cliente. O trabalho não a incomoda. Pelo contrário. Bonita, sempre arrumada e sorridente, ela se empolga ao falar do que faz.

Regina diz que não se trata de terapia biográfica nem de um “tratado de canonização”. Mas as obras da Biografias & Profecias passam longe do rigor de objetividade encontrado em biografias convencionais. “A ideia é que o livro gere movimento”, diz. Por “gerar movimento”, entende-se: quem ler qualquer um dos livros deve tirar uma lição. “E, para mim, o que importa é a riqueza dos encontros que promovo entre as pessoas e as histórias que ouço e registro. O livro é só uma consequência”, diz.

O próprio esquema de entrevistas de Regina é diferenciado. Ao invés do tradicional pergunta-e-resposta, ela usa cartões decorados com desenhos, com os temas que serão abordados. O entrevistado escolhe o assunto de que quer falar naquela hora, e a conversa se desenvolve a partir daí. “Esse é um jeito de me aproximar da pessoa, de quebrar o gelo”. Só não usou esse método no último livro que fez, sobre um figurão do ramo têxtil, o primeiro com participação direta do biografado. “Se eu fosse conversar com ele com cartõezinhos, não iria rolar”.

Até agora, Regina só escreveu sobre anônimos, e apenas por falta de oportunidade. Um famoso em especial lhe desperta curiosidade. “Adoraria saber o que tem por trás do topete do Roberto Justus. Ele é muito certinho...”, diz. Regina escreveria um livro sobre ele, se pudesse colocar tudo que encontrasse. Justus já tem um livro, “Construindo uma vida”, lançado em 2006. E, nele, está com o topete mais armado do que nunca.


Ela conta histórias por encomenda... Foto: arquivo pessoal

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O Domingo Premiado

Mais uma colaboração minha na distinta revista de nome nordestino.  ;-)

Um prêmio da Quina divide a vida do porteiro Francisco Dantas Filho em duas partes. Ele trabalha num prédio residencial de catorze andares, com apartamentos de três quartos, no Centro de São Paulo. Veste com apuro a camisa branca e a calça azul-marinho do uniforme. Ganha "menos de três salários mínimos por mês". Não tem carro. E seu passatempo é ver futebol pela tevê, com a mulher e o filho de 12 anos.

Mas, no dia 18 de novembro de 2007, um domingo para ninguém botar defeito, Dantas foi outro homem.

Na véspera, ele havia arriscado 5 reais no concurso 1 828 da Quina. Ao acaso, marcou no cartão sete dezenas. Com esse modesto investimento, descobriu, no dia seguinte, que acabara de ganhar R$ 216.181,94. O resultado saiu no jornal O Estado de S.Paulo. Lá estavam, cravados, cinco de seus palpites: 02, 29, 38, 58 e 63. "Quase morro do coração naquela hora", diz o porteiro, que fala sempre em voz baixa e não espalha exclamações nem quando recorda o mau desfecho da história.

Naquela manhã, ele acordou a mulher na mesma hora, para dar a notícia. Em seguida, ligou para Traíras, no interior do Rio Grande do Norte, de onde saiu há dezoito anos para procurar emprego em São Paulo. Chamou a mãe ao telefone, prometendo que mandaria em breve um dinheirinho para ela comprar a casa nova. E, acertadas as dívidas da família, se presentearia com um automóvel zero quilômetro. Tratou de apurar numa concessionária Fiat o preço do Palio Adventure, a seu ver "o carro mais bonito que existe".

Depois de planejar o futuro, Dantas decidiu celebrar com os amigos no lava-rápido da rua Albuquerque Lins. Como ainda não tivesse o dinheiro em mãos, a festa foi austera - e a despesa, nula. Àquela altura não podia saber, mas o rega-bofe franciscano era, ele sim, a sorte grande. Porque, na segunda-feira, assim que teve uma hora vaga para conferir o resultado numa casa lotérica, Dantas descobriu que as dezenas sorteadas eram 05, 16, 30, 47 e 73. Que Quina, que nada. Ele não fizera um mísero ponto.

"Foi uma decepção sem tamanho", ele comenta, de cabeça baixa. Pegou novamente o jornal, apostando as últimas fichas na hipótese de que a casa lotérica estivesse enganada. Mas, naquele dia, O Estado de S.Paulo trazia na página 2 do Caderno Cidades os números certos, e não os que ele lera na véspera.

A Quina saíra para dois apostadores no estado do Rio de Janeiro - um de Duque de Caxias, outro de São Pedro da Aldeia. Não passara nem perto de sua esquina em São Paulo. Dantas penou ainda mais ao descobrir que tinha cravado, sim, suas dezenas premiadas - mas no concurso errado, o 1 827, da semana anterior. O jornal se enganara, atribuindo à edição do dia os números de uma semana atrás.

Dantas ficou sem o Palio Adventure e teve que engolir as piadas dos amigos. Mas duro mesmo, afirma, foi telefonar para a mãe, cancelando a mudança de imóvel. Desgostos mais do que suficientes para um advogado lhe garantir o direito a uma indenização por danos morais. E ele resolveu processar O Estado de S.Paulo pelo engano.

O problema é que o jornal não é o responsável legal pela divulgação da loteria. Quem faz isso é a Caixa - e o Estadão apenas publica. E, em primeira instância, a ação foi sumariamente barrada pela juíza Fernanda Gomes Camacho, que recusou o processo por "falta de interesse em agir". O argumento, no mais puro juridiquês, quer dizer que, sendo o erro do jornal involuntário, não haveria como cobrar-lhe os tais danos morais.

Isso está escrito agora com todas as letras na página do Estadão que publica o resultado dos sorteios: "O quadro abaixo não deve ser usado para a conferência oficial das loterias. Dependendo do horário dos sorteios e do fechamento, alguns resultados podem estar defasados." Na manhã em que Dantas se sentiu dono de um Palio Adventure, o texto era outro. Informava simplesmente que os números estavam lá "apenas para consulta".

"Ainda estamos tentando. Vamos até a última instância", garante o advogado Nelson Mandelbaum, que comprou a mágoa do porteiro. Ele cita antecedentes que dão razão a seu cliente. Mas a causa está no Tribunal Regional Federal de São Paulo. E, até onde a vista alcança, ainda não deu sinais de se mover em qualquer direção.

Quem continua se mexendo é Dantas. Ele aposta regularmente nas loterias. Divide-se entre a Lotofácil, a Lotomania e a Quina. Lembra que saiu para São Paulo o maior prêmio da história da Quina e um apostador embolsou sozinho mais de 3 milhões de reais no concurso 1 945. Por via das dúvidas, às vezes marca os mesmos números que quase o enriqueceram em 2007. Não é nada, não é nada, eles já cruzaram com Dantas duas vezes - na semana em que jogou e naquela em que devia ter jogado.

 
O volante da quase premiação... Foto: lotomaniaco.com.br