“Eu
não tenho sangue de barata!” Você já deve ter dito isso. Se já,
com certeza não estava na pele do diplomata brasileiro Sérgio
Vieira de Mello, que dedicou toda sua vida adulta trabalhando na
Organização das Nações Unidas, a famosa ONU. Ele fez de um tudo
lá: engoliu burocracias, negociou com facínoras, teve esperança,
ajudou a montar e remontar nações. E morreu por isso.
O
Homem que Queria Salvar o Mundo,
da jornalista americana Samantha Power, conta a vida de Sérgio e
toda sua carreira na ONU, onde começou a trabalhar aos 17 anos
inspirado pelo pai, também diplomata. Queria cuidar de gente, e em
determinados momentos até conseguiu, como na volta de milhares de
refugiados cambojanos ao seu país de origem. Mas teve de enfrentar
politicagens e pessoas mais preocupadas com documentos do que com
corações e mentes.
Samantha
mostra o caráter de Vieira de Mello, sua dedicação que o fez
deixar de lado a vida pessoal e pousar em dois dos maiores massacres
étnicos do século 20: Ruanda e Bósnia (onde sua atuação fui
fundamental para que se descobrisse os crimes contra a humanidade
cometidos lá). Participou ativamente da criação do Timor Leste,
que, depois de uma sangrenta batalha, conseguiu sua independência da
Indonésia. E teve o privilégio de ouvir mentiras de George W. Bush,
inventor da invasão do Iraque, onde Vieira de Mello faria sua
derradeira missão antes de morrer num atentado suicida – o último
capítulo reconstitui em detalhes a explosão do caminhão que acabou
com o prédio onde Sérgio estava, mostrando como aquele país foi
invadido sem nenhuma estratégia.
A
biografia prima por não falar apenas de Sérgio. Samantha faz uma
cuidadosa ambientação – política, geográfica e humanitária –,
o que possibilita ao leitor percorrer os caminhos pelos quais a vida
de Sérgio andou. O único aspecto ruim da edição são as notas
explicativas, colocadas no fim do livro, ao invés de estarem no
rodapé, o que facilitaria a leitura.
Querer
salvar o mundo pode parecer prepotência, mas foi exatamente o que
Sérgio queria fazer. Pensando alto, conseguiu fazer muito numa
instituição como a ONU, sem muito poder prático. Tentando seguir a
lógica de que alguém pode não gostar de outro povo, mas tem a
obrigação de respeitá-lo, e nada justifica que queria matá-lo,
Sérgio buscou sempre uma meta: a paz.
No
caderno de fotos, há um registro de Sérgio com líderes
sérvios-bósnios, após uma reunião para acordo de paz na região.
Na mesma imagem estão, há poucos metros de distância, Sérgio e
Radovan Karadzic, principal responsável pelos massacres na Bósnia e
que, dentro em breve, estará no banco dos réus de Haia. Uma
pergunta a se fazer a Sérgio quando chegarmos ao céu: “o que se
passou na sua cabeça nesse momento?”.
A
uma certeza é possível chegar, sem perguntar: ele tentou...
Título:
O Homem que Queria Salvar o Mundo
Autora:
Samantha Power
Editora:
Companhia das Letras
Páginas:
688
Preço
médio: R$ 66
Nenhum comentário:
Postar um comentário