terça-feira, 3 de julho de 2012

Ele Tentou...


Eu não tenho sangue de barata!” Você já deve ter dito isso. Se já, com certeza não estava na pele do diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que dedicou toda sua vida adulta trabalhando na Organização das Nações Unidas, a famosa ONU. Ele fez de um tudo lá: engoliu burocracias, negociou com facínoras, teve esperança, ajudou a montar e remontar nações. E morreu por isso.

O Homem que Queria Salvar o Mundo, da jornalista americana Samantha Power, conta a vida de Sérgio e toda sua carreira na ONU, onde começou a trabalhar aos 17 anos inspirado pelo pai, também diplomata. Queria cuidar de gente, e em determinados momentos até conseguiu, como na volta de milhares de refugiados cambojanos ao seu país de origem. Mas teve de enfrentar politicagens e pessoas mais preocupadas com documentos do que com corações e mentes.

Samantha mostra o caráter de Vieira de Mello, sua dedicação que o fez deixar de lado a vida pessoal e pousar em dois dos maiores massacres étnicos do século 20: Ruanda e Bósnia (onde sua atuação fui fundamental para que se descobrisse os crimes contra a humanidade cometidos lá). Participou ativamente da criação do Timor Leste, que, depois de uma sangrenta batalha, conseguiu sua independência da Indonésia. E teve o privilégio de ouvir mentiras de George W. Bush, inventor da invasão do Iraque, onde Vieira de Mello faria sua derradeira missão antes de morrer num atentado suicida – o último capítulo reconstitui em detalhes a explosão do caminhão que acabou com o prédio onde Sérgio estava, mostrando como aquele país foi invadido sem nenhuma estratégia.

A biografia prima por não falar apenas de Sérgio. Samantha faz uma cuidadosa ambientação – política, geográfica e humanitária –, o que possibilita ao leitor percorrer os caminhos pelos quais a vida de Sérgio andou. O único aspecto ruim da edição são as notas explicativas, colocadas no fim do livro, ao invés de estarem no rodapé, o que facilitaria a leitura.

Querer salvar o mundo pode parecer prepotência, mas foi exatamente o que Sérgio queria fazer. Pensando alto, conseguiu fazer muito numa instituição como a ONU, sem muito poder prático. Tentando seguir a lógica de que alguém pode não gostar de outro povo, mas tem a obrigação de respeitá-lo, e nada justifica que queria matá-lo, Sérgio buscou sempre uma meta: a paz.

No caderno de fotos, há um registro de Sérgio com líderes sérvios-bósnios, após uma reunião para acordo de paz na região. Na mesma imagem estão, há poucos metros de distância, Sérgio e Radovan Karadzic, principal responsável pelos massacres na Bósnia e que, dentro em breve, estará no banco dos réus de Haia. Uma pergunta a se fazer a Sérgio quando chegarmos ao céu: “o que se passou na sua cabeça nesse momento?”.

A uma certeza é possível chegar, sem perguntar: ele tentou...

 
Título: O Homem que Queria Salvar o Mundo
Autora: Samantha Power
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 688
Preço médio: R$ 66

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